A Lei Maria da Penha é um exemplo a ser seguido, por sua formulação e aplicação. Primeiro porque nasceu das demandas sociais, e não por decisão de gabinetes ou obra de supostos sábios. E também porque, apesar do muito ainda por ser feito, é uma lei que, usando a paráfrase popular, pegou.

No mês em que completa 15 anos de existência, a Lei Maria da Penha foi o tema do programa Pauta Brasil levado ao ar na noite de quarta-feira, 11 de agosto.

Quem destacou a origem da lei no seio do movimento feminista foi Eleonora Menicucci, da coordenação do NAPP Mulheres (Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas), da Fundação Perseu Abramo, e ex-ministra de Políticas para as Mulheres (2012-2015).

“O movimento feminista, sobretudo nos anos 1980, criou vários grupos, em várias cidades, e reivindicávamos o basta, o fim total da violência contra as mulheres”, lembrou Eleonora. Quando o caso de Maria da Penha veio a público, o movimento feminista denunciou as violências sofridas pela mulher que dá nome à lei para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). O objetivo era responsabilizar o Estado brasileiro por omissão. Maria da Penha, agredida sistematicamente pelo homem que era seu companheiro à época, ficou paraplégica após ser alvejada por um tiro disparado por ele.

O Estado brasileiro, que não se pronunciou durante o longo período entre o crime, cometido em 1983, e os dois julgamentos do agressor, nos anos de 1991 e 1996, dos quais o criminoso saiu livre, foi finalmente responsabilizado pela corte internacional em 2001, que determinou a adoção de medidas de combate à violência contra as mulheres e também indenização a Maria da Penha. Cinco anos depois, em 2006, a lei é elaborada e aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente Lula.

“No Brasil, há leis que pegam e leis que não pegam. Nosso desafio era fazer com que essa pegasse. Para isso realizamos audiências públicas por todo o país durante o processo de sua elaboração. Em 2006, fizemos pela primeira vez os 16 Dias de Ativismo. Eram estratégias de implementação”, destacou Aparecida Gonçalves, que foi secretária nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres no governo Dilma.

Aparecida lembra também que a realização das Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres foi decisiva para a implementação da lei, popularizando-a e, com isso, responsabilizando os poderes públicos. “Houve vontade política. Em 2003, o orçamento federal para políticas para as mulheres era de 33 mil reais. Depois, só o programa Mulher, Viver sem Violência, tinha orçamento de 360 milhões de reais. Com o golpe, perdemos tudo. Foi tratorado”, comentou.

O programa Mulher, Viver sem Violência, criado em 2013, foi responsável pela criação da Casa da Mulher Brasileira, local de atendimento multidisciplinar para mulheres vítimas de violência. O projeto previa uma unidade em cada capital. Atualmente, das 12 que foram construídas total ou parcialmente, apenas seis estão em funcionamento.

Do ponto de vista jurídico, a Lei Maria da Penha foi uma novidade que incomodou os teóricos conservadores do Direito, lembrou Isadora Brandão, defensora pública e coordenadora do Núcleo de Defesa da Diversidade e Igualdade Racial, em São Paulo.

“Eu ingressei na universidade em 2006, ano de promulgação da lei. Minha formação se deu na trincheira de luta pela Lei Maria da Penha no ambiente universitário”, recordou. “Era preciso dizer aos professores que a lei não feria o princípio da isonomia. Que não era fruto de um clamor público de ocasião. Que não fazia parte de um movimento penal que via na punição uma panaceia”, completou.

Uma das mais fortes razões para a resistência dos conservadores, lembrou Isadora, é a tradição brasileira de legitimar um poder desproporcional e de fazer uma distinção entre espaço público e privado, na perspectiva masculina.

Entre as inovações jurídicas da Lei Maria da Penha, a defensora pública destacou a previsão de atendimento às vítimas em um único lugar e a adoção de medidas protetivas de urgência. Mas ainda há problemas. “Há juízes que ainda exigem o registro de boletim de ocorrência como condição para conceder medida protetiva, o que para nós é um equívoco”, criticou Isadora.

Para Anne Moura, secretária nacional de Mulheres do PT, “esse debate precisa ser central no ano que vem, quando teremos eleições. Quem quiser colocar os nomes à disposição, precisa se comprometer em reconstruir as políticas públicas para as mulheres”. Para as debatedoras, outro desafio no processo de consolidação e aplicação da Lei Maria da Penha é amplificar um de seus principais objetivos, o de prevenir a violência, mais do que punir os agressores.

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