Não haverá reserva de pranto suficiente para lavar essa dor. E a que ainda nos espera. É necessário converter o sal das lágrimas na semente capaz de germinar em uma nova nação. A negação criminosa da pandemia destruiu a quimera de um destino comum. Que incluísse os pretos, os pardos, os pobres. A raça de cobre que nos precedeu e a conquista colonial exterminou. O que fazer com os sobreviventes? Todos nós que cumprimos a parcela de vida que nos cabe nesse território, falando a mesma língua que de algum modo organiza e exprime o que pensamos ou sentimos, devemos responder:

Que país seremos
depois das valas comuns?

Ao fim do segundo verão da peste,
se desata o tempo das valas comuns.

Cavadas por uma guerra surda
contra os que, ao nascer,
não trouxeram nome.
Ou tiveram seus nomes
cobertos pela cal viva
dos nomes de santos:
os que morrem de bala ou vírus
nos morros, nas favelas, nos cortiços:
os pretos, os pardos, os pobres,
os que não deveriam ter nascido…

Para que deles não reste memória
no coração dos filhos
– ou das testemunhas –
e dos que insistem em nascer
durante e depois da pandemia.

E nenhuma voz se levante,
tardia
e se atreva a cobrar do Poder
o que foi fruto da fatalidade…

Para que só restem cinzas,
varridas pelo vento e o olvido.
Afinal, não é hora de apontar o dedo
e buscar culpados…
No país do esquecimento
nunca é hora de nomear culpados.
Assim será mais uma vez…
Para que deles não reste memória.

Que país seremos depois das valas comuns?

*Pedro Tierra é um poeta brasileiro.

Brasília, 19 de junho de 2021 (Segundo dia do Levante contra o genocídio).

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