Por Pâmela Resende

Nos últimos anos, a rememoração de determinadas efemérides no Brasil e demais países do Cone Sul têm convocado a sociedade civil a repensar a presença do passado recente nas democracias contemporâneas. Como qualquer ação mnemônica, algumas datas e eventos são mais lembrados do que outras. As décadas de 1970 e 1980 no Brasil foram marcadas pela atuação de pessoas e entidades que buscavam alargar o espaço de atuação na política com reivindicações como a luta por anistia ampla, geral e irrestrita, localização dos mortos e desaparecidos políticos, revogação da Lei de Segurança Nacional, o retorno dos exilados, além da libertação de brasileiros presos em países sob regimes autoritários na América Latina. Num cotidiano marcado pela violência e suspeição, diferentes grupos políticos passaram a protagonizar cada vez mais atos públicos, vigílias noturnas, debates, shows e passeatas com palavras de ordem de combate aberto e direto ao regime.

Nessa conjuntura e, em pleno processo de abertura política, na noite do dia 30 de abril de 1981 realizou-se no Riocentro – centro de convenções localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro – um espetáculo em comemoração ao Dia do Trabalhador com a participação de cerca de 20 mil pessoas. No estacionamento, a explosão de uma bomba dentro de um carro denunciaria o atentado orquestrado por dois militares do DOI-Codi: o sargento Guilherme Pereira do Rosário (codinome “agente Wagner”) e o capitão Wilson Luiz Chaves Machado (codinome “Dr. Marcos”). O objetivo era depositar artefatos explosivos no local em que acontecia o show, contudo, uma das bombas explodiu no colo do sargento, matando-o. O Inquérito Policial-Militar (IPM), realizado alguns dias após o atentado, foi marcado por indícios evidentes de manipulação. Os envolvidos foram considerados vítimas e não autores do atentado.

Apesar de ser o mais emblemático e audacioso, tendo em vista as possíveis consequências caso tivesse se concretizado, o caso do Riocentro não foi o único. Segundo levantamento apresentado no relatório da Comissão Nacional da Verdade (2014), entre 1979 e 1981, uma série de atentados a bomba aconteceram no Brasil, cujos alvos eram, via de regra, instituições e lideranças políticas que manifestavam oposição à ditadura, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), além de veículos jornalísticos e bancas de jornal. Em conjunto, esses atentados acabavam por reafirmar a resistência e descontentamento de setores da corporação militar à abertura política em curso, através da tentativa de transferir para grupos de oposição ao regime a autoria dos atentados.

Embora seja evidente o empenho de Ernesto Geisel e, posteriormente, João Figueiredo em manter a oposição civil e também a ala descontente das Forças Armadas dentro dos “limites da ordem”, a noção de que os órgãos de informações e segurança estavam foram de controle ou de que muitas das suas ideias não eram compartilhadas por membros do alto escalão militar parecem, no mínimo, equivocadas. O caso Riocentro é um ótimo exemplo de como esses atentados a bombas, que marcaram o início dos anos 1980, contaram com apoio e cumplicidade do alto escalão militar. Foram, portanto, política de Estado e não fruto de ações isoladas ou de agentes que teriam agido por conta própria, conforme apurou a Comissão Nacional da Verdade.

Desde 1981, muitas foram as iniciativas com o objetivo de reabrir o caso Riocentro. Em 1999, um novo IPM foi instaurado com a divulgação de novos nomes que também estiveram envolvidos no atentado, como o ex-chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informação (SNI), general Newton Cruz, e o ex-chefe da Agência do SNI do Rio de Janeiro, o coronel Freddie Perdigão. No entanto, naquele mesmo ano o IPM foi arquivado pelo Superior Tribunal Militar com o argumento de que estaria enquadrado na Lei de Anistia, ainda que o período enquadrado por tal lei esteja restrito entre 1961 e 1979. No dia 30 de abril de 2021, completam-se 30 anos do atentado do Riocentro. Trazer à tona esse episódio é importante para que não permaneçam mais dúvidas que, no apagar das luzes da ditadura, os mecanismos de vigilância e repressão utilizados fartamente para reprimir a oposição durante os 21 anos de regime civil-militar mantinha-se ativo.

Pâmela de Almeida Resende possui Doutorado em História pela USP e Mestrado em História pela UNICAMP. Foi a vencedora do Prêmio de Pesquisas Memórias Reveladas, em 2013, e publicou o livro Os vigilantes da ordem: a cooperação DEOPS/SP e SNI e a suspeição aos movimentos pela anistia (1975-1983). Trabalhou como consultora na Comissão de Anistia e Pesquisadora Jr. na Comissão Nacional da Verdade.

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