O Pauta Brasil desta sexta-feira, 2 de abril, debateu como o racismo estrutural, o neonazismo e o supremacismo branco vêm se fortalecendo a partir das ideias reacionárias do presidente da República, Jair Bolsonaro.

Foram convidados para o programa o advogado, membro do Conselho Consultivo da Ouvidoria das Polícias de São Paulo, mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP Gabriel de Carvalho Sampaio; a ex-ministra da Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos Nilma Lino Gomes; e o historiador, diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog Rogério Sottili. A mediação foi da diretora da Fundação Perseu Abramo, Vivian Farias.

Nilma Lino Gomes definiu o racismo como expressão de um movimento calcado na ideia de raça biológica que se coloca como base para formas de fazer política que se pautam para dominar e manter poder, tanto nas esferas públicas e políticas quanto no trabalho e no lar.

“O racismo opera na estrutura da sociedade, constituiu-se com o trabalho escravo, o capitalismo, portanto não é possível destruí-lo somente com mudança de consciência. São necessárias mudanças estruturais, políticas públicas, reconhecimento das desigualdades estruturadas pelos racismo. E o reconhecimento dos espaços nos quais mais aparecem essas desigualdades, como o mercado de trabalho, a política, a educação, e a desigualdade de gênero articulada à racial. Isso está atestado e comprovado por pesquisas, no mapa da violência”, afirmou.

Em relação ao combate ao racismo, ela resgatou e reforçou o protagonismo das pessoas negras organizadas, desde aqueles que foram escravizados, os quilombos, até pós-abolição e o movimento negro atual. “Não podemos esquecer esse protagonismo da luta social e popular, que é revolucionária e internacional”, disse.

Nilma observou ainda que aqueles que advogam o racismo, a superioridade da raça, estão hoje representados presidente da República, que se tornou conhecido por suas frases racistas, pelo Congresso Nacional, e lembrou o caso da morte de um homem negro no Carrefour, fatos que possibilitam a eles maior projeção.
Na mesma linha, Rogério Sottili mencionou o episódio do assessor da Presidência Felipe Martins que durante uma sessão do Senado fez o sinal reconhecido como símbolo da supremacia branca. “Como a mídia tratou isso? Como deslize, gafe, o que representa a naturalização e normalização desse tipo de gesto. Isso não podemos aceitar em hipótese alguma. Ainda mais porque não foi um fato isolado, é algo a que assistimos de forma muito intensa há dois anos e meio sendo permitido e praticado pelo governo Bolsonaro como um todo”, alertou.

Sottili recuperou que, em maio de 2020, o então ministro da Educação reclamou de uma ação da Polícia Federal contra a militância bolsonarista comparando-a com a violência nazista. E o ex-secretário de Cultura Roberto Alvim, em discurso oficial, plagiou o discurso do ministro de propaganda nazista, Joseph Goebbels, ouvindo uma sinfonia de Wagner, a quem Hitler tinha grandes admirações. Também em 2020, o próprio Bolsonaro, durante uma transmissão, tomou um copo de leite puro, símbolo de supremacistas estadunidenses. Além de declarar-se apologista da tortura ao dizer que seu maior herói é Brilhante Ustra.

“Foram muitos episódios descabidos e constantes no governo. Bolsonaro apenas destampou o bueiro, e veio à tona todo o processo estruturante do racismo. O Brasil se forma a partir de um grande genocídio indígena e viveu mais de 350 anos em regime escravagistas, teve ditadura civil militar e nunca responsabilizou judicialmente ninguém pelas mortes e crimes cometidos. Ao contrário, homenageou essas pessoas: a rodoviaRaposo Tavares, o Elevado Costa e Silva, Ruas com nome de Fleury, tudo isso acabou construindo uma cultura de violência”, disse.

Para Gabriel de Carvalho Sampaio, nossa história foi evoluindo ao ponto de consolidar o estado de coisas que vivemos hoje. Tivemos um modelo escravocrata durante quatro séculos, e o Brasil foi consolidando sua estrutura racista desde sua origem constitucional, já nas primeiras etapas. O país formou-se como nação independente em 1822, e o primeiro dilema a enfrentar era a construção de um projeto nacional lidando com o problema da escravidão. “O imperador outorgou, impôs uma constituição que consolidava o modelo escravocrata, em uma opção consorciada com elites do momento”, disse.

Sampaio também lembrou que no fim da monarquia, na primeira constituição republicana, a opção não foi pela integração e para reparar quatro séculos de escravidão. “A opção foi a mesma. A legislação penal sempre apareceu na sua história como elemento de opressão e consolidação do poder para conter corpos e a rebeldia e resistência civil ao modelo escravocrata”, afirmou.

Em 1850, quando foi editada a lei de terras, dada a iminência do fim da escravidão, estipulou-se que não poderiam ser concedidas terras para os trabalhadores até então escravizados. E o tratamento aos migrantes tinha de ser distinto. “Foi uma diferenciação para manter a subalternidade da população negra. Assim foram consolidados os modelos racistas na legislação”, disse.

Segundo ele, até mesmo na Constituição de 1988, quando houve um constitucionalismo que representaria os anseios populares, uma sociedade livre igualitária, além do de um importante ascenso do movimento negro, houve dificuldade de romper com paradigmas racistas e o avanço foi menor do que a história nos cobrava.

Assista ao programa completo no vídeo abaixo.

 

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