Nos dias 31 de março e 1 de abril de 1964, um golpe de Estado derrubou o presidente João Goulart e deu início a uma ditadura militar que durou mais de duas décadas. A maior vítima da ditadura foi o povo brasileiro, que perdeu seus direitos e liberdades democráticas, assim como viu interrompido o processo de reformas de base que poderia ter resultado num país mais desenvolvido e igualitário. A resistência contra a ditadura foi uma constante, apesar dos métodos do regime: a prisão, a tortura, os assassinatos e desaparecimentos. Fez parte resistência a denúncia destes métodos, inclusive como um pedido de socorro diante da “opinião pública” internacional. Nos anos 1990, 2000 e 2010, divulgamos as práticas da ditadura para que não fossem esquecidas e para que nunca mais ocorressem tais violações e arbítrio. E hoje, frente a um governo militar e genocida, para impedir que sejam novamente normalizadas na sociedade brasileira, como tem sido.

Destacamos a seguir, como exemplo do que ocorreu durante a ditadura militar, um trecho do livro Pau de Arara: a violência militar no Brasil. A obra, publicada pela primeira vez na França, em 1971, e em seguida no México, em 1972, e reeditada pela Fundação Perseu Abramo, foi a primeira denúncia sistemática de caráter internacional sobre as graves violações dos direitos humanos perpetradas pela ditadura naquele período.
Ditadura nunca mais!
Trechos da declaração do padre Antônio Alberto Soligo, preso pelo II Exército em Osasco, São Paulo, em 10 de fevereiro de 1969.
In: KUCINSKI, Bernardo; TROCA, Ítalo Arnaldo. Pau de arara: a violência militar no Brasil. Notas e versão direta do português por Flávio Tavares. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2013, p. 166-169. Disponível neste link.
Fui preso enquanto procurava emprego em uma fábrica. Algemaram-me na rua onde fui preso e me levaram para o quartel de Ibirapuera. Aí encontrei outros operários desaparecidos de Osasco, sendo eles torturados barbaramente: Cícero, Pedro Tintino, Antônio Celestino.
[…]
Bastou para que os carrascos dessa criminosa ditadura militar batessem em minhas mãos com palmatória até fazer com que inchassem e me deram chutes, socos, bofetadas e pontapés, quase estouraram meus ouvidos, meus olhos, o fígado e os rins, além de bater em meus órgãos sexuais de forma sádica. Feito demônios pulavam e pisavam forte com os dois pés em cima do tórax, nas costelas e no vazio da barriga.
Despido – às vezes me sentavam em uma cadeira, outras me atiravam ao chão – mãos e pés atados, conectaram fios de um gerador elétrico nos dedos dos pés e das mãos, nas orelhas, no pênis, no ânus e nos testículos por mais de quatro horas de constantes choques, cada vez mais violentos. Paralelamente, me espancavam com uma toalha molhada e jogavam água para que o efeito do choque elétrico fosse ainda mais violento
[…] Fui torturado em duas ocasiões: primeiro, ao chegar ao quartel-general do Exército e, uma semana depois, no dia 18 de fevereiro de 1969, na “escolinha”, ex-cassino transformado em câmara de tortura. Sob as ordens do general Luís Felipe Guedes, do tenente coronel Adolfo Henrique Matos e do capitão Danilo Mariani, encarregados das investigações policiais-militares, fui torturado pelo capitão Antônio Carlos do Nascimento Pivatto, subcomandante da Polícia do Exército; sargento Vendramini, tio de um seminarista, cujos familiares vivem em Joaçaba, estado de Santa Catarina; o tenente Agostinho e o cabo Marco Antônio Ribeiro, conhecido pelo apelido de “Passarinho” (que me tirou da cela e me deu chutes e golpes com o joelho em meus órgãos sexuais); um jovem a quem chamavam Zancón e outros.
[…]
As torturas continuaram dia e noite, de diferentes maneiras a cada hora, durante os seis meses em que estive em mãos da ditadura. Quando uma equipe de torturadores se cansava, outra ficava em seu lugar, ou a própria equipe descansava enquanto o preso ficava pendurado no pau de arara. Vi torturadores e policiais desculparem-se ante os presos que os haviam enfrentado durante as torturas, com dignidade que eles (os militares) julgavam surpreendente. Mesmo assim, continuaram torturando mulheres despidas ao lado de homens também despidos e torturados. Violentaram uma mulher, mãe de família, frente ao marido, enquanto ele era torturado e interrogado.
Outra mulher, grávida, foi torturada até abortar, morrendo não só a criança como, pouco depois, também a mulher.
Na vagina das mulheres e no ânus dos homens introduziam paus imitando o membro viril. Mãe, pai, esposa, filho ou irmão eram presos como reféns e torturados até que a ditadura encontrasse a pessoa efetivamente buscada. Torturaram o advogado Antônio Expedito Pereira, sua esposa, seu motorista, sua secretária, seu irmão porque encontraram em seu poder uma lista de presos que ia defender. […] O médico Antônio Carlos Madeira deu consultas a algumas pessoas que depois foram presas. A ditadura o prendeu e, por temor à opinião pública de São Paulo (onde era conhecido), o levou a Minas Gerais, onde foi torturado durante um mês. O mesmo aconteceu com o arquiteto Farid. Ao gráfico José Paiva lhe quebraram as costelas, depois de prender e torturar sua esposa, sua mãe e sua irmã. A José de Jesus, vendedor de bilhetes de loteria, aconteceu a mesma coisa. José de Jesus, apesar de suas preocupações com a esposa, grávida de seis meses, aprendeu a ler e escrever conosco, na prisão.
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