O Pauta Brasil desta sexta-feira (26) debateu a destruição ambiental no governo Bolsonaro. Participaram como convidados Ailton Krenak. ativista indígena e dos direitos humanos; Esther Bemerguy, economista especialista em Teoria Econômica pela Unicamp; e Nilto Tatto, deputado federal, secretário de Meio Ambiente do PT Nacional e coordenador do Napp ambiental da Fundação Perseu Abramo. A mediação foi realizada pela diretora da FPA, Jéssica Italoema.

A professora Ester Bemerguy fez recuperação rápida sobre como a questão ambiental está sendo tratada hoje no PT. Lembrou que, em 2018, Haddad trouxe pela primeira vez no programa de governo a transição ecológica como importante eixo. Depois, em 2020 o Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil, aberto à participação de todos, que tem como prioridade a proteção à vida e ao bem viver, considerando a Amazônia como bem comum do povo brasileiro.

“O partido está assumindo a Amazônia como essencial à proteção à vida, e isso significa mobilizar o partido para todas as formas de luta, pelos direitos dos povos originários, quilombolas, tradicionais. Afirmar que os bens comuns, a biodiversidade, a água, o patrimônio genético, as unidades de preservação e as terras públicas são inapropriáveis. E que a atividade econômica que existir será absolutamente regulada e não prioritária, significa um compromisso com relações não mercantis nesses territórios, estabelecendo uma nova forma de interagir com a natureza, com práticas radicalmente democráticas e participativas”, explicou.

Segundo ela, construir essa transição ecológica proposta pelo programa exige diálogo muito forte com visões indígenas do bem viver, com as práticas ecológicas dos povos da floresta, ribeirinhos, extrativistas, de todos os que defendem que a vida deve ser preservada da apropriação capitalista e instituída como bem comum. “Isso é fundamental para o país como um todo. Como também enfrentar a desigualdade entre os povos, que foi aprofundada neste momento de crise climática e sanitária”, disse.

Desafios políticos
O deputado Nilto Tatto pontuou que boa parte da crise é provocada pelo sistema capitalista, o lucro acima de tudo, sem limite para o uso dos recursos naturais e da exploração da força de trabalho. E apresentou os principais desafios atuais para o enfrentamento na política. “Desde o golpe, passamos por um processo de desmonte, em especial nos dois anos de Bolsonaro. De 1988 até os governos Lula e Dilma foram formados espaços de diálogo com a sociedade e com os movimentos na implantação das políticas públicas que praticamente não existem mais”, afirmou.

Ele citou como exemplo o desmonte do programa de controle do desmatamento e queimada, que foi um investimento pesado para produzir informação no Inpe, na estrutura e especialização do Ibama para a fiscalização de forma articulada com as forças de segurança dos estados e o ICMBio, o que resultou na redução do desmatamento com reconhecimento internacional e da sociedade brasileira. “Isso levou o Brasil a ocupar posição de altivez nos fóruns internacionais sobre clima e diversidade”, disse.

E mencionou a paralisação da fiscalização e das multas pelo governo Bolsonaro, com incentivo à criminalidade, desautorizando servidores e criminalizando movimentos e entidades. Além disso, o governo abandonou o diálogo com povos indígenas e quilombolas.

Tatto afirmou que o desenho de 2021 será ainda pior, talvez o pior das últimas décadas. “Agora a boiada vai passar no parlamento, com a eleição de dois bolsonaristas para a presidência da Câmara e do Senado, que vão facilitar aprovação de projetos que representarão retrocessos históricos nos direitos de quilombolas e indígenas”.

Segundo ele, as comissões vão voltar a funcionar sem audiências públicas, sem participação da sociedade, para dar celeridade à aprovação de projetos. Entre eles a mineração em terras indígenas, com a monocultura e o uso de agrotóxicos e transgênicos, a dispensa de licenciamento ambiental para projetos realizados em terras quilombolas e indígenas e a regularização de terras públicas griladas. “Se a gente não se mobilizar, haverá prejuízos enormes para o futuro do Brasil, da biodiversidade e diversidade étnica que compõe o povo brasileiro.

O deputado alertou para o fato de que o Brasil, com este governo, não dialogar com a agenda ambiental para repensar o futuro, terá como consequência a pressão internacional e isso implicará inclusive o modelo de destruição implantado neste momento. “Temos de ficar agora pautados na resistência, perdendo a oportunidade de repensar como fazer a mudança na forma com que a gente se relaciona com o planeta”.

Xeque-mate

Ailton Krenak afirmou que houve uma erosão de dentro do pensamento político brasileiro com relação ao patrimônio genético ambiental, uma ideia de um país que tem uma reserva natural de biodiversidade, observado mundialmente como território privilegiado. E que há hoje uma política intencional de desestruturar a vida comunitária, o acesso comum aos bens e a transformação de tudo em mercadoria, inclusive a vida.

Para Krenak, não exite debate no Ocidente que escape à economia movida pelo capitalismo. “Economistas olham os rios e calculam quantos megawats vão tirar de lá”, afirmou.

“De dentro da floresta, alguém que sempre viveu dentro de uma cosmovisão na qual ela é o mundo, observá-la sendo invadida pelo garimpo, pela mineração, pela madeireira, não importa o fator que justifica esse uso econômico da natureza, é uma ofensa ao modo de vida de milhões de pessoas que sempre viveram ali e não imaginam uma vida no deserto, sem base natural capaz de criar resiliência e dar sentido à experiência da vida”, disse.

Ele citou o novo presidente dos Estados Unidos, um alívio diante de tanta ameaça, que apenas diminuiu a intensidade da violência que a maior potência do ocidente dirige aos oceanos, à florestas e ao clima. “O paradigma é o mesmo, é comer o mundo. Aqui no Brasil estamos tão submetidos a essa lógica que sequer temos independência em relação aos Estados Unidos. Ainda somos colonizados até a medula e desgraçadamente agora somos governados por pessoas rendidas a essa mentalidade negacionista, intervencionista e que decidiram destruir a infra-estrutura do Brasil”, analisou.

Eu entendo uma espécie de xeque-mate em que estamos nos pondo quando olhamos o futuro e a perspectiva. “Podemos ter povos originários e muitas outras pequenas comunidades resistentes, como os sem-terras, se propondo a plantar 100 milhões de árvores, e ao mesmo tempo uma maquinaria estruturada para comer uma floresta inteira. Eu estou aqui na beira do Rio Doce, e por mais que a gente cante e dance para ele, a mineração continua jogando resíduos em suas margens”, criticou.

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Pauta Brasil recebe especialistas, lideranças políticas e gestores públicos para discutir os grandes temas da conjuntura política brasileira. Os debates serão realizado nas segundas, quartas e sextas-feiras, sempre às 17h, e serão transmitidos ao vivo pelo canal da Fundação Perseu Abramo no YouTube, sua página no Facebook e perfil no Twitter, além de um pool de imprensa formado por DCM TV, Revista Fórum, TV 247 e redes sociais do Partido dos Trabalhadores.

O novo programa substitui o Observa Br, programa que era exibido nas quartas e sextas-feiras, às 21h. Clique aqui e acesse a lista de reprodução com todos os 66 programas.

 

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