O anúncio de que o governo Bolsonaro realizará a substituição de Roberto Castello Branco pelo general Joaquim Silva e Luna na Presidência da Petrobras reacendeu o debate sobre o papel da petrolífera brasileira.

A troca de cadeiras teve como estopim mais uma elevação no preço dos combustíveis. Mas a alteração na Presidência da empresa não terá nenhuma serventia se não vier acompanhada de uma mudança na atual política de preços da Petrobras e no reposicionamento da empresa como protagonista do desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico brasileiro.

A chamada política de Preço de Paridade Internacional (PPI) reajusta diesel, gasolina e gás com base no preço internacional do petróleo e na cotação do dólar. Na prática, quando o preço do petróleo aumenta as elevações são repassadas até chegarem ao consumidor, mas quando o preço do petróleo diminui as reduções são represadas pelos ganhos dos importadores e pelas margens de lucro de um mercado de distribuição oligopolizado nacionalmente e de um mercado de revenda cartelizado regional e localmente.

O resultado são combustíveis e fretes mais caros perturbando a vida das famílias e dos trabalhadores. As greves e ameaças de greves de caminhoneiros e petroleiros, as paralisações e reivindicações de trabalhadores de aplicativos, bem como a carestia do botijão de gás e dos alimentos, guardam alguma relação com essa desastrosa política de preços.

O Brasil não precisa adotar essa política de preços. Desde a descoberta do Pré-Sal, o petróleo produzido pela Petrobras é capaz de abastecer mais de 90% das suas refinarias, cuja produção pode atender a quase totalidade do consumo interno, o que torna o país pouco dependente de importações. A política de Preço de Paridade Internacional (PPI), na intensidade em que tem sido aplicada no Brasil, só é praticada por países que não são produtores relevantes de petróleo, como Austrália e Chile, os países que são produtores relevantes – como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos ou Dinamarca – praticam políticas mais amigáveis aos seus mercados domésticos.

Na maior parte dos países, autossuficiência em produção significa maior autonomia para gerir preços. Essa alteração, entretanto, depende de uma Petrobras que atue como empresa integrada, mas a gestão de Roberto Castello Branco apequenou a Petrobras acelerando a venda de refinarias, a descapitalização da distribuição, o desmonte do gás e da logística, a interrupção da atuação em petroquímica, o encolhimento do segmento de biocombustíveis e renováveis. Essa política não é capaz de coordenar a complexidade da cadeia de refino, abastecimento e comercialização. Ela tem deixado a Petrobras suscetível às sandices de Bolsonaro e provoca perda para acionistas, trabalhadores e consumidores.

Para minimizar a crise da subida dos preços o governo anuncia medidas paliativas como a redução dos impostos federais, mas não indica de onde serão reduzidas as despesas ou de onde serão ampliadas as receitas para cumprir. Dada a crise fiscal as compensações prometidas são de complexa execução.

A origem deste estado de coisas encontra-se também na maneira como a Operação Lava Jato atuou para combater a corrupção na Petrobras, criminalizando a empresa e o projeto de desenvolvimento que ela nucleou ao longo dos governos Lula e Dilma. O golpe de 2016 teve no seu centro a disputa pela renda petroleira do Pré-Sal. Nesse sentido, a Lava Jato abriu espaço para o avanço da desnacionalização, financeirização e privatização da Petrobras, e, com isso, viabilizou o desmonte de cadeias produtivas fundamentais e estratégicas como a construção civil, engenharia pesada e engenharia naval, deixando atrás de si um rastro de regressão industrial, desinvestimentos e desemprego.

Nesse cenário, dado o desmonte do setor de óleo e gás e da Petrobras desde o golpe de 2016, o esforço de reconstrução e transformação do Brasil passa pela definição de um outro modelo setorial que fortaleça o papel da Petrobras, que revise o calendário de leilões das áreas do pré-sal, que amplie a participação governamental na renda petroleira, que crie alternativas tributárias e regulatórias para a construção de uma nova indústria e de uma nova sociedade. Além de promover a necessária interrupção das privatizações.

O Brasil precisa de uma Petrobras pujante, com investimentos para a realização de novas prospecções e descobertas como as do Pré-Sal, com fortalecimento das atividades de exploração e produção em novas fronteiras marítimas e tecnológicas, com operações integradas nos segmentos de refino e gás, exercendo sua propulsão sobre a cadeia de suprimentos e equipamentos por meia das políticas de conteúdo local, compras governamentais e ciência, tecnologia e inovação, desbravando novas energias renováveis, em consonância com uma política industrial competitiva e inovadora, que seja capaz de irradiar seus efeitos pela engenharia pesada e pela indústria naval, gerando uma renda petroleira que possa ser apropriada pelo Estado e pela sociedade brasileira em benefício de transformações produtivas e sociais que o Brasil precisa para o presente e para o futuro.

Aloizio Mercadante, ex-ministro, presidente da Fundação Perseu Abramo, pela Diretoria Executiva da FPA

 

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