Um dos mais conhecidos crimes da ditadura militar, o assassinato do ex-deputado Rubens Paiva por agentes do regime, completa 50 anos nesta semana, com a Justiça ainda discutindo se há a possibilidade de punir acusados envolvidos. Paiva, à época com 41 anos, não tinha atuação na luta armada. O pretexto de sua prisão foi o envio, por exilados no Chile, de cartas para o Brasil endereçadas a ele.

O Supremo Tribunal Federal (STF) travou em 2014 a tramitação de ação penal aberta na Justiça Federal no Rio naquele ano contra cinco pessoas, por entender que havia violação à Lei da Anistia, que veda sanções a acusados de crimes políticos durante o regime.

Em 20 de janeiro de 1971, Paiva, engenheiro e parlamentar que tinha sido cassado após o golpe de 1964, teve a sua casa no Rio invadida, foi levado a uma unidade militar para depoimento e desapareceu. Documentos do Exército atestam sua entrada no Destacamento de Operações de Informações (DOI), e até seu carro chegou a ser devolvido à família semanas depois. Testemunhas o viram ferido e agonizando no local.

Depoimentos e apurações da Comissão Nacional da Verdade, criada em 2012 para apurar crimes do regime, e do Ministério Público Federal apontam que os militares montaram uma farsa para encobrir o assassinato sob tortura e a ocultação do corpo, ocorrida provavelmente no dia seguinte.

Nos anos 1990, o Estado brasileiro oficializou a inclusão de Rubens Paiva em uma lista de desaparecidos em razão de atividades políticas no regime, e a família recebeu uma certidão de óbito. Também obteve na Justiça uma indenização.

Os trabalhos da Comissão da Verdade, de 2012 a 2014, jogaram luz sobre alguns aspectos que não eram conhecidos da história. O capitão à época Raymundo Ronaldo Campos, hoje com 85 anos, disse que recebeu ordem para montar uma operação e simular a fuga do deputado. E o coronel reformado Paulo Malhães, que morreu em 2014, afirmou que restos mortais foram enterrados na praia, na região da Barra da Tijuca, e posteriormente retirados. O Ministério Público cita depoimentos de dois militares ao afirmar que Antonio Hughes de Carvalho, integrante da equipe de interrogatórios que morreu em 2005, participou da sessão de tortura.

Em maio de 2014, procuradores do Rio apresentaram denúncia contra o hoje general reformado José Antônio Nogueira Belham, 86, e o coronel reformado Rubens Paim Sampaio, 86, sob acusação de homicídio triplamente qualificado.

Raymundo Campos e outros dois militares foram acusados de fraude processual. Os cinco alvos do Ministério Público também foram denunciados sob acusação de associação criminosa e ocultação de cadáver.

Os militares suspeitos foram então ao STF barrar a tramitação da ação citando que o processo afrontaria a Lei da Anistia. Em setembro de 2014, o ministro Teori Zavascki decidiu suspender, por meio de liminar, a tramitação do caso.

A pedido da Procuradoria-Geral da República, porém, concordou em autorizar a produção antecipada de provas por causa da idade avançada das testemunhas arroladas. Com a morte de Teori, em 2017, o procedimento a respeito do caso chegou a ser arquivado por engano, de acordo com o Ministério Público Federal, já que nunca ocorreu um julgamento por um conjunto de ministros no STF a respeito.

Sob a relatoria de Alexandre de Moraes, que ocupou a vaga de Teori na corte, não houve mais andamento relevante nesse recurso. O gabinete do ministro informou que não há previsão para julgamento do tema.

Paralelamente, os cinco acusados também recorreram ao TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) e ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) para trancar o andamento da ação.

O escritor e jornalista Marcelo Rubens Paiva, que tinha 11 anos na época da morte do pai, considera o assassinato uma “mancha na história” do país e diz que o crime é uma “história que não termina”.

“É uma história inacabada, é uma história que todo ano tem uma novidade. É uma morte que não se encerra, que não é enterrada”, disse em entrevista a um periódico.

A psicóloga e professora Vera Paiva, 67, também filha do ex-deputado, afirma que as investigações da década passada foram fundamentais para reconstituir os acontecimentos que resultaram na morte do pai.

“Nós seguimos a vida, como a minha mãe também nos ensinou a seguir a vida. Mas vamos continuar marcando essa injustiça. Quando punem os responsáveis, se evita que isso se repita. Quando não punem, abre espaço para a repetição.”

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