‘Reeleição de Trump seria uma tragédia, mas devemos ter cautela’
Ao analisar as eleições presidências estadunidenses, em entrevista ao programa DCM Ao Meio Dia desta sexta-feira (6/11), o ex-ministro e presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante, afirmou que a reeleição do republicano Donald Trump seria uma tragédia. Também disse que a iminente eleição do democrata Joe Biden, apesar de representar uma mudança geopolítica importante, não será uma ruptura.
Para Mercadante, a reeleição de Trump daria um empoderamento por mais quatro anos para o atual presidente, que adotaria uma agenda extremamente agressiva em temas como direitos humanos, imigrações, mudanças do clima, além do tensionamento crescente com a emergência da China como maior economia do planeta. “Os Estados Unidos estão perdendo a sua liderança na economia e no comércio internacional e a China começa a disputar áreas sensíveis das novas tecnologias e das inovações, como é o caso do 5G. A China entrou corrida espacial, na área de manufatura ela domina todos os setores mais importantes da indústria internacional e este processo ameaça os interesses econômicos estratégicos e a liderança dos EUA”, relatou.
O ex-ministro defendeu que, além do crescimento do protagonismo chinês ser um imenso desafio para a economia e diplomacia estadunidense, os EUA estão perdendo a capacidade de controlar o dólar como moeda padrão internacional. “Eles vivem uma crise política profunda, e Trump foi uma resposta truculenta a essa crise, uma resposta de um discurso nacionalista, totalmente insustentável para uma nação que tem esse nível de interdependência, inclusive em relação à China, já que dois terços dos títulos públicos norte-americanos são comprados pelos chineses, são as aplicações das reservas cambias da China”, avaliou.
Mercadante também apontou que há uma integração, uma interdependência, entre os principais setores das indústrias estadunidenses e chinesas, em cadeias industriais relevantes, que não tem como desassociar. “Então, a forma como Trump vinha conduzindo esta disputa gerou instabilidade, crise e agravou o cenário internacional”, disse.
Fake news e internacional de extrema direita
O ex-ministro relembrou também que Trump impulsionava a indústria das fake news. “Ele patrocinava as fake, news, essa realidade virtual em que toda mentira pode ser contada e que tudo pode acontecer, em que as pessoas já não sabem mais o que é verdade e o que não é, e aí está toda loucura e toda irresponsabilidade presentes na vida pública”, afirmou.
De acordo com Mercadante, Trump também vinha articulando a extrema direita no mundo, e que Bolsonaro, no Brasil, era um súdito do projeto, um súdito que não trouxe nenhuma vantagem para o país. “O Brasil só perdeu com essa relação de submissão e de passividade, nesse período recente, na política internacional. Mas, a extrema direita, com apoio de Trump, tinha também uma presença nos governos da Polônia, Hungria, ou seja, eles estavam tentando articular uma internacional de extrema direita, com o Bannon articulando a estratégia de comunicações. No Reino Unido, no Brexit, eles conseguiram impor seus interesses e a fragilização da União Europeia. Vale destacar, uma matéria muito interessante mostrando como eles utilizaram nestas eleições americanas o WhatsApp para influenciar nos votos dos latinos na Flórida, como o Bolsonaro fez aqui, e deu resultado”, analisou.
“Então, eu acho que a derrota do Trump era muito importante pro futuro do planeta e também no Brasil pelas implicações e por essa relação de subordinação e todo controle que ele exercia sobre o clã Bolsonaro”, alertou.
Vitória de Biden
Sobre o Biden, o ex-ministro pontou que a força progressista do Partido Democrata, que era sobretudo o Bernie Sanders, foi derrotada nas prévias. “O Biden, eu o conheço pessoalmente e tivemos vários contatos durante o governo da presidenta Dilma. Ele era o vice do Obama e tinha forte presença nas relações internacionais desde seu mandato como senador, inclusive com o Brasil. Mediou muitos temas, sempre estava presente em viagens próprias ou junto com o Obama, quando nós íamos nos EUA, ele sempre liderava a comissão de recepção. Ele é uma liderança que tem muita experiência política na área internacional, mas nós temos de ter consciência que aquele estado profundo americano permanece, qualquer que seja o governo”, argumentou
Mercadante lembrou que a denúncia de espionagem contra a presidenta Dilma e contra a Petrobras ocorreu no governo Obama. “Eu acho que a denúncia do Snowden desencadeou toda essa operação posterior, e o Moro faz parte dessa estratégia, é um elo desse processo, é uma peça desse tabuleiro, toda essa história do lawfare da justiça partidarizada na América Latina vem desse processo do estado profundo americano, desencadeada no governo Obama”, afirmou.
“Portanto, a gente não pode ter ilusão que é uma mudança profunda, que é uma ruptura, mesmo porque o país sai muito dividido, a eleição é muito apertada, ainda que o Biden consiga vencer nesses três ou quatro colégios eleitorais, que ainda não concluíram a apuração, a situação econômica é muito delicada, o estado está muito endividado, o nível de desemprego e de pobreza cresceu assustadoramente no governo Trump”, avaliou. Para ex-ministro, os estadunidenses têm uma questão crucial econômica estrutural, um problema geopolítico e um problema político pelo resultado apertado da eleição, que foi agravo pelo fato de Trump questionar o sistema eleitoral e gerar ainda mais instabilidade e incertezas.
Impactos no Brasil
Segundo Mercadante, a vitória de Biden fragiliza Bolsonaro. “Ele jogou tudo que tinha nessa relação com o Trump, ele vinha em um enfrentamento com a União Europeia, tratando as lideranças europeias como Macron, Angela Merkel, com essa grosseria e com essa precariedade que lhe é própria. Agrediu a China desde a campanha inúmeras vezes, com o tema da pandemia, da vacina, e prestou serviço sujo para os Estados Unidos na questão do 5G e outras decisões estratégicas, com um alinhamento incondicional ao Trump, apostando todas as fichas e perdeu a parada”, afirmou.
Por isso, Mercadante acredita o governo Bolsonaro vai viver uma crise importante, uma vez que a agenda internacional vai mudar. “Eu imagino que o Biden vai recuperar e apoiar as organizações multilaterais, que o Trump vinha esvaziando, a Organização Mundial do Comércio, a própria ONU, volta pro agenda o tema da mudança climática e aquecimento global, que o Trump tentou tirar, subordinado aos interesses da indústria do petróleo, e o Biden tem esse compromisso público, o que afeta o Brasil, especialmente as queimadas e a devastação da Amazônia e do Pantanal, que repercutiram no mundo inteiro”, explicou
Mercadante acredita que com Biden pode haver alguns avanços em outros temas relacionados aos direitos humanos, minorias, questão racial e democracia. “Ou seja, toda essa agenda obscurantista do Bolsonaro perde um aliado decisivo, que era o Trump. Com isso, o governo Bolsonaro aprofunda seu isolamento, vai ser, do ponto de vista da política internacional, completamente irrelevante e um governo totalmente isolado”, concluiu.