Ao analisar a crise econômica brasileira, o ex-ministro e presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante, disse que o governo Bolsonaro se encontra em um mata-burro. “Mata-burro porque ele perdeu o apoio na classe média e nos formadores de opinião e, evidentemente, rompeu com sua base original, mas manteve uma certa popularidade em razão do auxílio emergencial. Só que ele está perdendo essa base, porque com a nova modalidade do auxílio, ele tirou 44% das famílias do programa, que já estão sem nenhum auxílio, e quem ficou foi com R$300, em um quadro de forte aumento do custo de vida”, afirmou.

“Então, ele está desesperado para tentar se sustentar, mas, de outro lado, ele tem o acordo com o sistema financeiro, com a ortodoxia fiscal, com o teto de gastos. Ele não tem como tirar 8 a 9% do PIB no ano que vem. São no mínimo R$ 580 bilhões que ele tem de cortar no Orçamento, e ele não tem de fazer isso. O país não cabe dentro desse orçamento em um quadro como esse”, analisou. A declaração foi dada em entrevista à TV 247, nesta quinta-feira (8/10).

Mercadante avaliou ainda que a crise é aprofundada em razão de haver um presidente que não tem nenhuma capacidade de gestão e de um governo que é uma confusão tremenda. “Além disso, a política está parada. O Congresso não vota nada relevante, não enfrenta a questão orçamentária, não aponta uma saída, e o governo não consegue estabelecer uma iniciativa sequer, por isso, nós estamos no meio de uma tempestade e não tem comandante no navio”, disse.

Recessão

De acordo com o ex-ministro, o Brasil passa por uma recessão muito grave, a maior da história documentada, que para ele será superior a 5%, acima da média da América Latina e da média mundial e com uma perspectiva de crescimento para o ano que vem também bem abaixo da média. “O quadro do Brasil é grave. É o país em que a moeda mais se desvalorizou no mundo, o que não é qualquer coisa, e o país só não voltou aquela tragédia de 2002 porque nós deixamos um legado de US$ 380 bilhões em caixa de reservas cambiais”, avaliou.

Quando o governo Lula assumi o país, o Brasil não tinha nenhuma reserva cambial e estava no FMI, só para o fundo a dívida era de US$ 55 bilhões. “Mas, chegou um governo, o governo Lula, que tinha um projeto, que tomou medidas, que mudou política externa, que mudou política econômica, que mudou as políticas sociais e o Brasil se reconstruiu, passou a ser uma economia de crescimento moderado, mas estável e sustentável, de grande inclusão social, de grande projeção internacional, criou novas parecerias na diplomacia, como a relação com a China, com a Índia, com a África do Sul, a integração regional foi muito importante e tudo isso está sendo destruído por esse governo, já desde o golpe”, lamentou.

Retrocessos

“Eles disseram que se tirasse os diretos trabalhistas, uma conquista de mais de 70 anos, que vem lá do governo Getúlio, a economia iria se recuperar e iria ter um choque de empregos. Evidente que não aconteceu, o desemprego está batendo recorde, 13,8% de desempregados, são mais de 13,1 milhões de trabalhadores desempregado, 5,6 milhões desalentados, ou seja, não trabalham e nem procuram emprego e ainda temos 32 milhões de subutilizados. Então, é a maior tragédia do mercado de trabalho da história do país”, afirmou. “Depois, eles prometeram que se terceirizasse a contratação da força de trabalho a economia iria melhorar e a única coisa que o Paulo Guedes consegue oferecer e a ideia do Estado mínimo. Ele é prisioneiro desse projeto neoliberal e dessa ortodoxia fiscal. Tudo que ele quer é privatização, o desmonte do Estado e desmontar os serviços públicos, e não tem gestão, não tem coordenação, não tem iniciativa”, prosseguiu

Para Mercadante, o governo Bolsonaro está completamente descolado da agenda real para recuperar o Brasil. “Eu vejo com muita preocupação a situação social, eu acho que não é só a situação econômica e fiscal. Não se resolve problema fiscal em recessão, o Keynes e toda literatura histórica dizem isso. Você resolve o problema fiscal voltando a crescer, melhorando a relação dívida-PIB pelo denominador, crescendo e melhorando a receita. Daí, você consegue recuperar a situação fiscal, você não consegue fazer ajuste em um quadro recessivo, é um erro”, defendeu.

A conta da crise

O ex-ministro afirmou ainda que uma questão central, no momento, é debater quem deve arcar com o custo da crise. “O que é que nós estamos dizendo? Os super ricos têm de dar contribuição fiscal para o Brasil se recuperar, para criar um fundo solidário de reconstrução nacional. Nós estamos falando aqui de 42 famílias, que tiveram um ganho patrimonial durante a pandemia, de mais de 36%. É uma coisa absurda. Nós estamos falando de R$ 173 bilhões de patrimônio. Então, é esse setor que tem que contribuir, por meio da taxação das grandes fortunas e das heranças, da progressividade no imposto de renda muito mais forte, taxação de lucros e dividendos, taxação de juros sobre capital próprio”, explicou

Mercadante defendeu que essas medidas trariam o ganho fiscal necessário para a reconstrução nacional. “Mas, eles não conseguem tomar nenhuma iniciativa, só conseguem olhar para o orçamento para tirar dos pobres, da saúde, da educação, para retirar direitos trabalhistas e previdenciários, do salário mínimo, que não temos reajuste real. O tempo inteiro eles querem tirar o abono dos pescadores, fazem um cerco ao benefício de prestação continuada, ao abono salarial. Então, o tempo inteiro eles voltam para essa agenda, são incapazes de pensar um projeto de futuro”, concluiu.