O ex-ministro e presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante, afirmou, em entrevista ao programa DCM Ao Meio-Dia desta terça-feira (29/9), que as pessoas estão vendo o rei está nu e que não tem piloto nessa turbulência que o país está atravessando. Mercadante deu essa declaração ao comentar postagem do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais de que o auxílio emergencial “não pode ser para sempre” e que os integrantes do governo estão “abertos a sugestões” junto aos líderes partidários.

A postagem de Bolsonaro foi uma reação do governo às críticas ao financiamento do Renda Cidadã, programa anunciado por ele para substituir o Bolsa Família, e à repercussão negativa do novo programa entre o mercado financeiro. O governo anunciou, nesta segunda-feira (28/9), que pretende usar parte dos recursos do novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e de precatórios para bancar o novo programa social.

Para Mercadante, essa proposta do governo Bolsonaro demonstra que o governo não tem rumo, não tem coordenação, é um conjunto de improvisações e é um desastre histórico. “Eles não têm proposta, é tudo improvisado, o ministro da Fazenda não aparece, aparenta estar tutelado, nem pode mais dar entrevista e sempre que dá é um desastre, o que evidencia um governo completamente perdido. A política externa é completamente desastrosa, o Brasil perdendo mercado, perdendo interesse, se isolando internacionalmente e a política econômica está à deriva, eles não conseguem construir uma proposta para enfrentar essa crise, eles não conseguem apontar um caminho de superação”, afirmou.

Cortes no auxílio emergencial

Em sua análise, o ex-ministro esclareceu que, segundo a proposta do governo Bolsonaro, não é que a renda emergência foi reduzida pela metade, de R$ 600 para R$ 300. Mercadante explicou que a renda foi reduzida pela metade para aqueles que ficam no programa, que, segundo os dados do próprio governo, são mais ou menos 56% dos que recebiam.

“Uma multidão já deixou de receber a renda emergencial e a que ficou vai receber pela metade. Porque antes eles estavam aplicando R$ 50 bilhões por mês na renda emergencial e agora são R$ 67 bilhões em quatro meses, o que dá alguma coisa em torno de R$ 16 bilhões por mês. É um terço do valor. Então, metade cai fora do programa, em uma situação econômica e social ainda muito delicada, e a outra metade que fica só recebe metade do valor”, avaliou.

Segundo Mercadante, como o custo de vida tem subido muito, principalmente alimentos, com uma inflação muito pesada, e essa parcela da população que recebe o auxílio emergencial gasta mais da metade do que recebe do benefício com alimentação, mal dará para manter a alimentação básica com o que sobrou da renda emergencial. “É muito importante que haja uma renda para que as pessoas possam se proteger na pandemia, que é o que nós estamos defendendo e vamos até o fim: defender os R$ 600 até o final da pandemia. Eles não querem botar para votar a Medida Provisória que trata do auxílio emergencial, porque a ampla maioria dos parlamentares quer manter os R$ 600”, defendeu.

“Agora, o que é grave é que não tem nada planejado para o ano que vem. Eles apresentaram um orçamento que se pretende dentro do teto de gastos, mas para ficar dentro do teto de gastos eles vão ter que tirar da economia, eles vão ter que cortar R$ 580 bilhões aproximadamente, 8% do Produto Interno Bruto vai ter que sair do orçamento”, prosseguiu. De acordo com o ex-ministro, é impossível, nesta conjuntura, ter uma visão fiscal dessa natureza, porque a economia está em recessão.

Renda Cidadã

Sobre o financiamento do programa Renda Cidadã, Mercadante disse que a proposta apresentada pelo governo Bolsonaro não fica em pé. “Os precatórios são as dívidas do estado com pessoas físicas e jurídicas de sentenças tramitadas em julgado e ele diz que não vai pagar. O que é isso? Isso é um calote, é uma pedalada gravíssima. A apropriação dos precatórios para outra finalidade é completamente inconstitucional e ilegal, não passa na preliminar. Eu acho que eles não têm uma assessoria jurídica que tenha feito introdução ao direito 1, no curso de direito. Não é possível. Já tem jurisprudência no Supremo por muito menos, então, não se sustenta”, afirmou.

No caso do Fundeb, o ex-ministro explicitou que há ambiguidades na Lei que foi aprovada, mas que o próprio Supremo vedou que os recursos do Fundeb fossem utilizados para pagar professores aposentados, ou seja, a vinculação é exclusiva a educação pública e ao ensino básico. “O Fundeb é que diminui a desigualdade entre as escolas. E onde está o problema da educação? Está justamente onde está a pobreza. É ali que os indicies educacionais estão ruins, é ali que se tem dificuldade de alfabetização, de permanência, de acesso, de qualidade, de professores disponíveis para subir a favela, a ir para a periferia. Então, nós temos aí o grande desafio e, por isso, precisa de mais recursos. Se já tem essa decisão do Supremo, é evidente que não se tem como retirar recurso do Fundeb para essa finalidade. É um absurdo você tirar da educação para criar uma renda emergencial”, declarou.

Financiamento e saída para o futuro

Para Mercadante, o único caminho possível para financiar o futuro é tributar quem tem grandes riquezas no Brasil. “Você tem que tributar os ricos, que nunca pagaram o que deveriam. Tem que tributar grandes fortunas, grandes heranças, progressividade sobre o imposto de renda, lucros e dividendos e juros sobre capital próprio. Já tem uma proposta de financiamento, que nós apresentamos com taxação sobre os super ricos, mas não pode ser o Fundeb, não pode ser a escola pública com toda carência de recursos que tem, muito menos tirar dos precatórios, que é totalmente ilegal, inconstitucional, indefensável e insustentável”, argumentou.

Por fim, Mercadante defendeu que o Brasil precisa de um plano de investimentos, recuperar investimentos em obras públicas, ter uma renda emergencial indispensável enquanto durar essa pandemia, uma linha de crédito para socorrer micro e pequenas empresas. “Você só vai resolver o problema fiscal tributando quem deve, que são os ricos e super ricos, e depois da crise é que vão conseguir equacionar o problema fiscal. O ajuste fiscal, que tem que ser feito, só pode ser feito quando se está no crescimento, em um período melhor, quando você está entrando em uma recessão desse tamanho não tem como seguir nesse caminho que está sendo autoimposto ao país pelo teto de gastos”, concluiu.

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