Há quinze anos, no dia 23 de setembro de 2005, falecia uma das mais emblemáticas lideranças da esquerda brasileira, e também fundador do PT, Apolônio de Carvalho. Nascido em 1912, atravessou o século XX lutando durante toda a sua vida pela emancipação da classe trabalhadora.

Parte desta experiência foi relatada em entrevistas que retratam os caminhos e descaminhos da esquerda no Brasil e no mundo, os momentos dramáticos de ascensão da direita e do fascismo, as crises políticas e o desenrolar dos conflitos e da luta de classes na nossa história recente. O Centro Sérgio Buarque de Holanda sugere a leitura da entrevista concedida por Apolônio para a revista Teoria e Debate em sua edição número 6, publicada em primeiro de abril de 1989.

Para suscitar a leitura da entrevista na íntegra, destacamos alguns trechos a seguir:

Anos 20: socialismo e comunismo como questões de polícia

No Brasil, os anos 20 são anos de governos autoritários no mais alto nível: quatro anos de
Estado de sítio no governo [Artur] Bernardes, de 1922 a 1926; o governo Washington Luís, que considerava o movimento social, o socialismo e o comunismo questões de polícia; como reação houve a primeira tentativa de uma Frente Única de caráter popular que o Bloco Operário e Camponês, dos anos 1926 e 1927, tentou ressuscitar depois e não conseguiu.

Antifascismo

O fascismo ameaçava alastrar-se em todos os países. A luta antifascista era uma bandeira universal naquele tempo e eu estava apaixonado pelos problemas da luta antiimperialista. Ao sair da prisão, houve uma reunião do Comitê Central do PC [Partido Comunista Brasileiro] em que se decidiu participar da luta internacional contra o fascismo e recrutar voluntários. Havia uma boa leva de militares, desde cabos, sargentos, até oficiais, todos excluídos da Forças Armadas, convidados para ir à Espanha.

Comunistas na ilegalidade

No dia 7 de maio de 1947 houve o processo sobre a legalidade do registro eleitoral do PCB. Havia uma massa imensa de policiais nos cercando. Eu estava extremamente preocupado, porque achava que o partido ia ser colocado na ilegalidade. O partido foi surpreendido pelos acontecimentos porque não acreditava na supressão de sua legalidade. […] Em 1947, o partido foi colocado fora da lei, mas os seus parlamentares continuavam no Congresso e no Senado, e os dirigentes acreditavam que isso iria continuar até o final do seu mandato. Não pensavam que haveria, em 1948, uma cassação taxativa e fria. Como disse antes, é a ausência de contato com a realidade do movimento, a confusão entre desejo e realidade que caracterizaram sempre a nossa esquerda. No fundo, a subestimação do adversário, de um lado, e a supervalorização de nossas forças, de outro.

Golpe de 1964

O golpe foi feito em março de 1964. Em fevereiro, houve uma reunião ampliada do Comitê Central do PCB. Havia uma tese para o VI Congresso. Pensávamos que teríamos uma situação legal e que o partido faria seu VI Congresso em 1964. […] Tínhamos ilusões de uma aliança com a burguesia. Essas ilusões iriam cair de maneira brutal de 31 de março para 1º de abril, com o golpe militar. Primeiro, houve uma confusão extrema no interior da direção. Como no passado, o PCB, por meio de seus dirigentes, estava fora da realidade, não acreditava num golpe armado. Segundo, acreditava na capacidade e vontade de resistência do governo Goulart e das forças aliadas representadas pela burguesia nacional. Terceiro, deixou o país imobilizado pela crença de resistência, no caso eventual de choque armado, porque havia um dispositivo militar do governo — que, aos olhos do movimento popular, seria capaz de resolver todos esses problemas. Tudo castelos de cartas, ilusões. Sentimos, então, a necessidade efetiva de mudar a linha política. Não podíamos ficar na dependência dessas alianças, na ilusão de que esses sistemas de forças políticas e sociais resolveriam nossos problemas. Era preciso, portanto, um novo sistema de forças e também rever o caráter do caminho pacífico.

Análise sobre o PT em 1989

O PT guarda ainda um bocado das coisas da esquerda, e, dentro do amor imenso que nós temos pelo PT, acho que o PT guarda ainda muito do cerco das ideias e concepções da esquerda tradicional. A IV Internacional tem uma visão de centralismo democrático tão dura quanto o centralismo democrático do tempo de Lenin, depois de 1920, e do tempo de Stalin, depois de 1924. O PT guarda ainda uma estrutura que precisa ser repensada. O papel das bases ainda é mais teórico do que prático, na vida e na elaboração do partido. Algumas das coisas que marcam a esquerda nos seus quase 70 anos, do PC para cá, ainda estão presentes. Hoje, no PT, temos uma visão do seu papel que lembra muito o messianismo dos partidos comunistas em épocas passadas. O PT é visto como o símbolo da força social, então joga-se para escanteio a ideia fundamental do conjunto de forças sociais e políticas da esquerda e de outras forças periféricas, outras forças interessadas num programa para a mudança da sociedade. […] Em alguns lugares nós avançamos mais para a política de frente. Na campanha presidencial nós devemos ter forças políticas e sociais que possam ampliar, enriquecer, dar um colorido novo a essa corrente de renovação que é a candidatura do Lula.