‘Queda do PIB também é a ausência de uma política eficiente’
“É evidente que o agravamento dessa crise está ligado à Covid-19, mas também à ausência de uma política pública eficiente”. Assim o ex-ministro e presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante, avaliou a queda recorde do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, no segundo semestre deste ano, em entrevista ao programa DCM ao Meio do Dia, desta terça-feira (1).
Dados divulgados pelo IBGE revelam que o PIB brasileiro encolheu 9,7% na comparação com o primeiro trimestre de 2020 e 11,4% em relação ao segundo trimestre de 2019. Com isso, a economia voltou ao mesmo patamar do final de 2009, quando o país ainda sofria os impactos da crise financeira mundial de 2008. Em valores atuais, o PIB chegou a R$ 1,653 trilhão no segundo trimestre.
Para Mercadante essa queda é muito grande e terá efeitos muito perversos, especialmente sociais, com desemprego, quebra e falência de micro e pequenas empresas. “Os países que foram mais severos, que se anteciparam, que planejaram e que enfrentaram a Covid com distanciamento social, com as medidas prudenciais, com testagem em massa, que organizaram uma saída progressiva e com indicadores consistentes estão tendo um impacto muito menor do que as outras economias”, afirmou.
Para justificar sua afirmação, o ex-ministro usou como exemplo a China, país onde começou essa crise, e que teve um crescimento de 11%, um crescimento trimestre. “É uma economia muito forte e é muito importante para manter as exportações brasileiras. Você veja a que agricultura teve um pequeno crescimento de 0,4%, mas todos os outros setores, como serviços e indústria, desabaram acima de 10%”, analisou.
Agravamento
“É uma situação grave, e o péssimo comportamento do governo federal, o negacionismo de Bolsonaro sobre a medicina baseada em evidência científica, agravou o problema e não nos dá segurança para o futuro”, disse. Para Mercadante, para sair da crise é importante ter indicadores sólidos, fazer testagem em massa, manter o distanciamento, porque é isso que vai dar segurança para a retomada. “Senão, nós podemos ter uma recaída e o prejuízo ainda é maior do que esse monumental que nós tivemos”, avaliou.
Auxílio emergencial
De acordo com o ex-ministro, o que é amenizou um pouco a crise foi o auxílio emergencial de R$ 600, classificado por ele como uma conquista da oposição. “O PT apresentou um salário mínimo, ele não propunha nada, propôs R$ 200 e nós chegamos a R$ 600, podendo ser mais R$ 600. Essa foi a grande conquista desse processo, porque injetou na economia R$ 250 bilhões em cinco meses. Então, amorteceu a queda do PIB, dinamizou o consumo popular, preservando alguns setores com uma política anticíclica. Mas, é preciso lembrar que foi desencadeada pelo governo a partir de uma iniciativa da oposição e uma decisão do Congresso Nacional”, disse.
Mercadante recordou que as primeiras iniciativas do ministro da Economia, Paulo Guedes, eram continuar com as privatizações e reforma administrativa. “Ou seja, ele não tinha noção do que estava acontecendo, e aí propôs uma medida provisória para que os trabalhadores ficassem quatro meses em casa sem receber salários e sem garantia de emprego, nós derrotamos essa iniciativa conseguimos criar uma política de proteção social”, argumentou.
Redução do Auxílio Emergencial
O ex-ministro avaliou ainda que a redução em 50% do auxílio emergencial, apresentada pelo governo Bolsonaro vai agravar a pandemia e vai prejudicar o quadro de recuperação da economia. “Nós podemos ter alguma recuperação? É provável, em razão do patamar. A expectativa é que isso se reverta com uma pequena recuperação, mas sem esse estímulo e sem o crédito para as pequenas e micro empresas, que não chegou na ponta e o consumo mostra isso, nós vamos agravar a crise”, afirmou.
“O problema central agora é o Congresso ter uma atitude firme e defender os R$ 600, que ele vai manter até o final de dezembro, como se tudo fosse acabar em 1º de janeiro de 2021”, defendeu. Para Mercadante não necessariamente a pandemia estará resolvida, não necessariamente teremos vacina, não necessariamente a vacina terá uma cobertura ampla, ou seja, há muitas variáveis na crise sanitária, que torna a avaliação do governo prematura.
Ortodoxia fiscal
Segundo o ex-ministro outro problema para a retomada da economia é a política de ortodoxia fiscal. “Com as regras ficais ortodoxas, como o teto de gastos declinante, a regra de ouro e o resultado primário, que são três travas autoimpostas pelo país, a perspectiva de 2021 é muito restrita”, avaliou.
Mercadante defendeu, ainda, que a primeira grande disputa é manutenção do auxílio de R$ 600 e a segunda é reversão da política de ortodoxia fiscal. “Nós precisamos de outro tipo de controle sobre as contas públicas. Esse sistema é insustentável, é inviável, sem falar nas sequelas que nós vamos ter nos diversos ministérios pelo orçamento que foi apresentado, que tira recursos dos principais ministérios, ou seja, vai ser muito difícil a gestão da política pública se for mantida essa Lei Orçamentária que ele apresentou”, concluiu.