É preciso mobilização permanente em defesa da educação pública
Merece registro o recuo do governo Bolsonaro ao tornar sem efeito a portaria do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, que revogava a regulamentação das Comissões de estímulo à inclusão de negros, indígenas e pessoas com deficiência nos programas de pós-graduação das instituições federais de ensino superior. Esse novo recuo só foi possível devido à forte reação social contra essa medida absurda de Weintraub e se não fosse tornada sem efeito pelo próprio governo, seguramente seria derrubada pelo Congresso Nacional ou revogada pelo ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal.
Weintraub deixa o Ministério da Educação sem ter apresentado nenhuma iniciativa relevante para a educação brasileira, seja na educação básica, na educação superior, na educação técnica-profissionalizante, na pós-graduação, na gestão e articulação com as redes estaduais e municipais, na capacitação e valorização dos professores ou nos sistemas de avaliação e indução da qualidade. Como grande marca, fica a lembrança de que o ex-ministro obstruiu a aprovação do Fundeb, cerca de 148 bilhões de reais do orçamento para educação em 2019, o que irá gerar um forte desequilíbrio no financiamento, a inviabilização das escolas mais pobres e o fim do piso salarial dos professores. A saída de Weintraub pode abrir espaço para que o Congresso priorize a votação do Fundo, que é urgente e indispensável.
Na educação superior, agrediu as universidades públicas, desrespeitou a autonomia delas ao deixar de nomear os primeiros reitores indicados pelas listas tríplices e apresentou o “Future-se”, programa amplamente rejeitado por toda comunidade universitária e por especialistas da área. Esvaziou os programas de pós-graduação, tentando aparelhar a Capes com essa visão obscurantista de minimizar as ciências humanas e de tentar introduzir pesquisas criacionistas. O fim melancólico da gestão de Weintraub à frente do Ministério da Educação é um retrato fiel do que ela realmente foi, ou seja, um retrocesso brutal da creche à pós-graduação.
Mas, a saída de Weintraub não representa uma vitória definitiva daqueles que lutam e defendem uma educação universal, pública, acolhedora, generosa e gratuita para todos e para todas. Além de não sabermos quem será escolhido como novo ministro da Educação, é preciso lembrar que Weintraub encaminhou à Casa Civil uma lista com doze indicados para compor o Conselho Nacional e Educação. Chama a atenção na lista de Weintraub a exclusão de docentes, pesquisadores e pedagogos vinculados ao compromisso com a educação pública de qualidade e a opção por representantes e empresários do setor privado do sistema educacional.
Além disso, a Lei de Cotas, aprovada durante minha gestão como ministro da Educação, precisará ser renovada no Congresso Nacional em 2022. Já há decisão favorável do Supremo Tribunal Federal quanto à constitucionalidade dessa lei, entretanto, sua renovação deve sofrer forte resistência de setores conservadores da sociedade e das bancadas reacionárias do Congresso Nacional, como foi durante todo o processo de sua aprovação.
Desta vez, temos do nosso lado os números e o inequívoco sucesso que é a Lei de Cotas. São muitos os estudos acadêmicos que comprovam que a inclusão de negros, indígenas e pobres não comprometeu a qualidade das universidades. Os estudantes beneficiados pela Lei de Cotas têm em média, ao final do curso, um desempenho equivalente aos não cotistas.
Além disso, as cotas permitiram que, em 2018, pela primeira vez na história, o número de estudantes negros passasse o de brancos nas universidades públicas brasileiras. Só nos governos do PT a presença de negros aumentou em 267% na educação superior. Destaco ainda que 35% dos formandos, que participaram do Enade em 2015, foram os primeiros da família a receberem um diploma de curso superior, uma profunda mudança intergeracional.
Outro aspecto importante da política de cotas é a riqueza da convivência com a diversidade na comunidade universitária. Diversidade de origem social, de experiência de vida, de raça, uma diversidade que enriquece a formação e contribui para superar os preconceitos sociais e raciais.
Por isso, é preciso mantermos uma mobilização permanente em defesa da educação pública. Estou convencido de que, depois da pandemia, toda essa indignação e insatisfação, que também está presente na educação, irá para rua se juntar aos movimentos em defesa do Estado de direito e da democracia. Só assim, com muita pressão, luta e mobilização popular, derrotaremos essa verdadeira tragédia social, econômica e moral que é o governo Bolsonaro.
Aloizio Mercadante é ex-ministro da Educação e presidente da Fundação Perseu Abramo.