O exercício de revisitar os livros que a Fundação Perseu Abramo tem divulgado na sua série “Nosso Antivírus é o Conhecimento”, a exemplo deste período de pandemia e restrição de movimentos, provoca um certo embaralhamento na percepção e vivência do tempo. As horas e os dias passam mesmo rápido demais, como muitas vezes afirma o dito popular? As coisas mudam ou apenas se repetem de forma angustiante?

O livro desta semana, “A Constituição Golpeada- 1988-2018” (clique para baixar), escrito a várias mãos antes que se soubesse o que os anos de 2019 e 2020 reservariam ao Brasil, procura propor um programa político e econômico mínimo para o país sair daquilo que já era identificado, no período Temer, como Estado de exceção.

Não se iluda o leitor com o adjetivo “mínimo” que acompanha a descrição do programa proposto pelo conjunto de artigos que compõe o livro. Embora seus pressupostos sejam resgatar o espírito original da Constituição de 1988, o objetivo não se afigura modesto nesta terra arrasada.

Nova constituinte e o cadáver insepulto do autoritarismo

Créditos: arte FPA

Nos dias de hoje, quando se discute o que deveria constar num manifesto de uma frente de oposição, e esse debate vem acompanhado de resistência a críticas mais explícitas à política econômica e à concentração de renda, por exemplo, “A Constituição Golpeada” é um livro ousado nos planos que projeta para o futuro.

Porém, a impressão que fica, à medida que se vai lendo o texto, é que que não há como desconsiderar que algumas das medidas ali expostas, ao mesmo tempo ousadas, são incontornáveis. Adiá-las ou fingir não as conhecer, parece, seria continuar embaralhando o tempo.

Reforma política, com financiamento público exclusivo e abertura ampla do aparelho do Estado, em todos os níveis de poder, ao controle social, é uma das mudanças inconclusas que parecem fazer muita falta. Democratização da comunicação, outra.

As propostas todas, como reforma tributária inclusiva, apontam para a perspectiva de que a vontade da maioria e suas necessidades sejam conhecidas para serem atendidas. Em sua apresentação, o livro defende um novo processo constituinte.

“As lições históricas são inúmeras e inequívocas: quando as forças progressistas passam pelo poder sem mudar a estrutura do Estado, elas ficam permanentemente expostas aos riscos de serem capturadas por ondas autoritárias, conservadoras e neoliberais. O enfrentamento contra tais destituições sistemáticas deve se dar pela reconstrução de ideias e forças que formem o corpo de um novo poder constituinte.

Para isso, é preciso alterar a correlação de forças na sociedade e, então, convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.”, diz trecho do livro.

A estrutura autoritária do Brasil, assentada sobre a manutenção do fosso social, dos privilégios, da concentração de renda e poder e interdição da informação e conhecimento, é um cadáver insepulto que sorri pelas ruas, sem máscara nem álcool gel.