Do mesmo modo como faz com todos os valores de que puder se apropriar, o capitalismo tem empregado a palavra solidariedade deturpadamente. Em tempos de pandemia, ainda mais.

Inclusive o principal telejornal do país criou uma série intitulada Solidariedade S.A., para enaltecer supostos gestos bondosos dos grandes grupos empresariais no combate ao coronavírus, fingindo esquecer os efeitos nocivos que a competição predatória e animalesca impõe às comunidades, aos povos, à humanidade, e que agora, em meio ao caos sanitário, acentuam-se de maneira escandalosa e impenitente.

Oportuna, portanto, a leitura do livro Introdução à Economia Solidária, do professor e economista Paul Singer (1932-2018), que a Fundação Perseu Abramo, editora dessa obra, coloca à disposição do público.

Singer, autor e pesquisador respeitadíssimo, iniciou sua vida laboral como operário de fábrica, ainda jovem. Mesmo depois de acumular títulos acadêmicos como a livre-docência na Universidade de Princeton, fazia questão de se intitular trabalhador e de pensar a economia a partir dessa chave interpretativa, a de que o trabalho e todo o conhecimento que gera, assim como as riquezas materiais, deve estar a serviço dos homens e mulheres tidos como comuns.

Neste livro, Singer procura desmistificar o conceito de competição como princípio maior que gera os avanços. Inclusive porque, como ele destaca logo na introdução, tal ideia de há muito foi abandonada na prática pelo capitalismo, sendo relegada à prateleira das boas intenções à disposição no mercado. Presa de grandes monopólios que em tudo mandam e dominam, as sociedades se nutrem da miragem da livre-concorrência para colocar os mais pobres e os trabalhadores em geral numa disputa fraticida entre iguais que só lhes reservará mais dificuldades e abandono.

Paul Singer, em sua luta de intelectual-trabalhador, lançou-se ao desafio de ajudar a construir um novo modelo de produção que pudesse, ainda que nos marcos capitalistas, recorrendo a conceitos e ferramental socialistas, gerar autonomia aos trabalhadores e trabalhadoras e permitir que eles pudessem gerir e usufruir das riquezas produzidas de modo coletivo, voltado às necessidades comunitárias que estão ligadas entre si por critérios sociais e geográficos. Na visão de Singer, é possível que grupos de pessoas compartilhem as decisões, os riscos e frutos de empreendimentos sem submissão única e total aos grandes conglomerados e a lógica que impõem.

O livro que a Fundação Perseu Abramo coloca á disposição em formato digital pode ser visto como um manual dessas possibilidades. Não na lógica “pequenas empresas, grandes negócios”, que apenas reproduz a necessidade de vencer o vizinho, próximo ou distante, para ao final ver quem sobrevive graças a uma suposta superioridade pessoal.

Entre 2003 e 2015, Singer, um dos fundadores do PT, comandou a Secretaria Nacional de Economia Solidária, nos governos de Lula e Dilma, quando trabalhou na implementação de projetos de economia solidária que se espraiaram em outras administrações petistas, como prefeituras, em que atividades de cooperativas de produção, crédito, distribuição e consumo elevaram condições de vida e de trabalho de milhares de pessoas.

Neste momento da civilização, em que muitos esperam por uma nova realidade que surgiria após o duro teste imposto pelos limites da pandemia, a obra de Paul Singer pode ajudar a pensar maneiras de colocar em prática essa mudança, que certamente enfrentará a resistência de sempre do pensamento de inspiração executiva e acumulatória.

(Baixe o livro aqui)

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