Em carta recentemente encaminhada ao Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, United States Trade Representative, em inglês) e Conselho Econômico Nacional dos Estados Unidos, bem como aos ministros da economia e das relações exteriores do Brasil, diversas entidades empresariais do setor industrial brasileiro e outras que articulam interesses de empresas estadunidenses por aqui pedem que se firme um “pacote comercial em 2020 e que se fortaleçam os laços econômicos para o futuro entre as duas maiores economias do hemisfério”.

Para tanto, propõem um acordo em duas fases. A imediata é o respaldo às pretensões já anunciadas pelos dois governos durante recente teleconferência de um acordo que inclua regras e facilitação de comércio, transparência e práticas regulatórias ao qual os empresários defendem que se acrescentem regras para comércio digital, combate à corrupção, barreiras técnicas ao comércio, padrões sanitários e fitossanitários e propriedade intelectual. Segundo os missivistas, estes itens não dependeriam de aprovação do Congresso dos Estados Unidos e nem de negociações no Mercosul.

A segunda fase que ficaria para 2021 incluiria temas como acesso a mercados para bens e serviços, regras de origem, serviços financeiros, solução de controvérsias, práticas desleais, regras de competitividade, subsídios, empresas estatais e compras governamentais que é a agenda que diferentes governos dos Estados Unidos impulsionaram nos acordos de livre comércio que firmaram com vários países da América Latina depois do fracasso da Aliança de Livre Comércio das Américas (ALCA) e que causaram uma série de prejuízos para o desenvolvimento e a soberania destes.

Essa separação em duas fases visa tornar um primeiro acordo em fato consumado e fugir dos questionamentos que parlamentares estadunidenses certamente colocariam na eventual aprovação do fast track necessário para o executivo dos EUA negociar acordos e garantir que possa cumpri-los. Um primeiro acordo na visão dos empresários abriria caminho para um segundo. Além disso, em 2021 já se saberá quem será o novo presidente dos Estados Unidos, se Donald Trump ou Joe Biden, e os democratas têm sido muito simpáticos aos acordos de livre comércio com outros países. Livre para eles, é claro! Quanto ao Mercosul já existe um acordo deste bloco com os EUA desde 1991, o Acordo 4 + 1 sobre comércio e investimentos, porém a pretensão de ampliá-lo certamente não é uma posição comum atualmente, ainda mais numa conjuntura desfavorável devido à pandemia do coronavírus.

Esta iniciativa empresarial do lado brasileiro tem mais fundamento ideológico que prático, pois muitos empresários acreditam que a simples boa vontade de negociar é suficiente para lograr bons acordos, enquanto outros defendem que diante da assimetria entre “as duas maiores economias” do hemisfério não há outro jeito que não seja a de negociar e se render. Por exemplo, esta era a posição da Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC) e de outras durante as discussões da ALCA, mesmo com a visibilidade das desvantagens para o Brasil do conteúdo que o governo estadunidense estava promovendo na ocasião e que não mudou nada nos dias de hoje.

Quem encabeça a iniciativa da carta são a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Câmara de Comércio dos Estados Unidos, apoiados por várias associações empresariais da indústria brasileira do setor de calçados, eletroeletrônicos, madeira, siderurgia, têxtil, brinquedos, entre outras.

Kjeld Jakobsen é consultor da Fundação Perseu Abramo e integrante do Grupo de Análise da Conjuntura. As opiniões contidas neste artigo não refletem necessariamente a opinião da entidade.

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