Países europeus que foram epicentros do coronavírus se preparam para a transição para o “novo normal”, com a retomada de atividades econômicas e reaberturas de estabelecimentos comerciais e escolas de maneira gradual. Governos da França, Espanha, Itália e Alemanha anunciaram seus planos para esse movimento, após a diminuição, constatada por dias, de novos casos e mortes pela doença. Enquanto isso, no Brasil, continuamos no escuro com alto índice de subnotificação pela falta de testes e com um presidente que mais atrapalha do que ajuda, o qual já se mostrou diversas vezes incapaz de governar o país durante esse período de crise.

Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha, foi a primeira a retomar algumas atividades econômicas, em um país que está sendo o modelo para a Europa e para o mundo pela baixa taxa de mortalidade. Durante toda a crise, Merkel adotou medidas e fez pronunciamentos lúcidos e realistas, deixando claro desde o começo que entre 60% e 70% da população poderia ser infectada pelo vírus. Não à toa, a primeira-ministra, conhecida por ponderar todos os lados e se basear em estudos científicos, obteve crescimento na popularidade de sua gestão que, segundo a rede ZDF, é bem avaliada por 83% dos alemães.

Nos outros países, a retomada acontecerá somente no começo de maio, a partir do dia 04 na Espanha e Itália e do dia 11 na França. Em linhas gerais, será obrigatório o uso de máscaras, os estabelecimentos que abrirem terão que limitar a entrada das pessoas, respeitando uma distância mínima entre elas, e o trabalho remoto será recomendado para aquelas áreas onde ele é possível. O slogan do governo italiano é “Se você ama a Itália, mantenha distância”. Na França, as escolas começarão a reabrir, pois há preocupação com as alunas e alunos de baixa renda que não conseguem acompanhar os estudos à distância, enquanto na Espanha as aulas só voltam em setembro.

Neste último país, o plano de desconfinamento foi configurado através de quatro fases. Para passar de uma a outra, a localidade terá que obter números confiáveis de estabilização de casos e mortes pelo coronavírus, que serão medidos com testes em massa, bem como mostrar boa capacidade de atendimento no sistema de saúde. Restaurantes e bares poderão receber clientes em suas áreas externas, mantendo uma ocupação do espaço em 30%, na fase 1 e somente na fase 2 cinemas, teatros, museus e auditórios poderão reabrir, com 1 em cada 10 lugares ocupados. As medidas de distanciamento e de proteção individual continuarão mesmo na última fase.

A transição para o “novo normal” nestes países é marcada por uma série de condicionalidades que começam, no entanto, com um chefe de Estado que compreende a seriedade do coronavírus e mostra a sua capacidade de governar o país. A partir disso, é possível se pensar em mecanismos e planos para sair do confinamento, como a testagem em massa para o acompanhamento dos números de casos e mortes e o reforço do sistema de saúde, para evitar seu colapso caso ocorra uma segunda onda de contaminação. Nenhuma dessas condicionalidades parece haver no Brasil, infelizmente.

Primeiro, temos na presidência Jair Bolsonaro que é um dos últimos líderes mundiais a ser contra o confinamento, minimizando os impactos do coronavírus e chegando a trocar o ministro da Saúde por divergências bem no meio da crise. Nem mesmo solidariedade e compaixão ele é capaz de demonstrar pelas famílias que perderam entes queridos. No dia 28 de abril, quando o país chegou a quase 500 mortes em um único dia, passando o número de fatalidades da China, Bolsonaro comentou “E daí? Lamento. Quer que eu faça o que?’.

Sem liderança, o país ainda caminha no escuro sobre os números de casos e mortes, com testes insuficientes e que podem demorar semanas para ficarem prontos. Vários estudos apontam que há uma enorme subnotificação no Brasil, o que dificulta saber qual cenário estamos lidando e quais medidas poderíamos tomar para fazer a transição rumo ao “novo normal”, igual outros países estão começando a fazer. Para dificultar ainda mais, o posicionamento de Bolsonaro influencia sua base e a pressão para sairmos do isolamento social que mal foi imposto cresce, enquanto a capacidade dos hospitais e o número de leitos disponíveis estão diminuindo.

Seguindo o exemplo do outros países, para começarmos a pensar em remar a algum tipo de normalidade, precisamos, antes de tudo, governo e planejamento. Devido a incapacidade do atual presidente, que na realidade mais atrapalha do que ajuda, a melhor alternativa parece ser a sua retirada da presidência.

Luana Forlini é consultora  do Grupo de Análise da Conjuntura da Fundação Perseu Abramo. O texto não reflete necessariamente a posição da instituição.

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