O espalhamento do coronavírus pelo mundo criou novos epicentros da doença na Europa, sobretudo Itália e Espanha, e nos Estados Unidos, países com maior número de casos até o momento. Nesses também em outros locais os governos têm se mobilizado para seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e aplicar o isolamento horizontal, com quarentenas e distanciamento social por exemplo, em seus territórios, bem como aumentar os gastos públicos para mitigar os impactos negativos do “congelamento” da sociedade na economia.

Alinhados ideologicamente ao governo brasileiro, Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido e Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, subestimaram em um primeiro momento o coronavírus, comparando-o a uma gripe ou resfriado comum. Johnson, que está atualmente infectado e internado no hospital, chegou a dizer que estava cumprimentando com apertos de mão pessoas contaminadas com o vírus. Trump defendia o discurso de que o remédio para evitar o espalhamento não poderia ser pior que a doença, ao referir-se à economia e a colocá-la em primeiro lugar.

Assim como Bolsonaro, Trump e Johnson são expoentes do negacionismo em relação à ciência em questões como a vacina e o aquecimento global. Porém, com a urgência causada pelo espalhamento do coronavírus, número de casos e óbitos aumentando exponencialmente e a possibilidade do colapso de seus sistemas de saúde, tanto Trump quanto Johnson voltaram atrás em seus posicionamentos iniciais e passaram a defender as medidas de isolamento horizontal. Os dois governos anunciaram pacotes econômicos robustos para enfrentar a crise econômica, sendo que nos Estados Unidos o valor do pacote chegou a dois trilhões de dólares e, no Reino Unido, o valor é de 350 bilhões de libras, o equivalente a 15% do PIB do país.

Governos da França e Alemanha são defensores do isolamento horizontal e que anunciaram medidas econômicas de expansão do gasto público. Itália e Espanha adotaram esta medida com atraso, o que explica a alta taxa de morbidade nesses países. Na Itália o governo pretende garantir que nenhuma pessoa perca o emprego durante a crise e está cogitando estatizar empresas, como o caso da companhia aérea Alitalia.

O mesmo está sendo feito pela França que, além de estudar estatizar empresas, suspendeu as contas de água, luz, gás e aluguéis, bem como congelou as reformas pendentes, como, por exemplo, a da Previdência. Alemanha e Espanha anunciaram pacotes de 750 bilhões e duzentos bilhões de euros, respectivamente, o que, no caso espanhol, representa 20% do PIB.

Na América Latina os posicionamentos de vários governos não são diferentes. Nosso vizinho, a Argentina, está em quarentena determinada pelo presidente progressista Alberto Fernández, o qual proibiu demissões por justa causa durante este período e irá auxiliar o pagamento de salários de empresas com até cem funcionários. Outros países, como Bolívia, Paraguai e Chile, também estão em quarentena determinada pelos seus governantes. Da mesma forma, Venezuela e Cuba, embora ambos duplamente prejudicados devido às sanções e ao bloqueio estadunidense. No entanto, no Equador, a resposta governamental tem sido tão negligente que até faltam caixões e estrutura para enterrar os mortos pela doença.

O único país que estava resistindo às recomendações da OMS era o México, onde o presidente López Obrador estava fazendo pronunciamentos diminuindo o impacto que o coronavírus poderia causar. Entretanto, ele voltou atrás em seu posicionamento, aconselhou as pessoas ficarem em casa e disse que, sem o distanciamento social agora, a economia poderia piorar no futuro. Além disso, anunciou pacote econômico para ajudar trabalhadores informais e pequenas e médias empresas.

Vale comentar que dois líderes expoentes da extrema-direita no cenário internacional e alinhados a Bolsonaro, Benjamin Netanyahu, de Israel, e Viktor Órban, da Hungria, aproveitaram do contexto de urgência de combate ao coronavírus para tornarem seus governos mais autoritários. Netanyahu fechou o Parlamento e os tribunais do país, enquanto Órban também suspendeu o Congresso, bem como as eleições, e irá governar através de decretos. Além disso, ele poderá censurar os meios de comunicação se avaliar que estes estão informando a população de maneira equivocada sobre o coronavírus. Alguns analistas já indicam que essa é a primeira ditadura dentro da União Europeia.

Vendo a movimentação dos governos ao redor do mundo para combater o coronavírus, Bolsonaro parece cada vez mais isolado e remando contra a corrente. É um dos únicos chefes de Estado que insistem em não escutar as autoridades médicas e infectologistas e é contrário ao isolamento horizontal, medida cada vez mais consolidada na comunidade científica como eficaz para o combate do coronavírus e prevenir o colapso do sistema de saúde. Ao lado de Bolsonaro estão apenas presidentes como o da Bielorrússia, Aleksandr Lukashenko, que não adotou nenhuma medida para combater o espalhamento da doença e fez declarações absurdas dizendo que sauna e vodka poderiam combatê-la.

Guerra comercial por equipamentos da China

Com a possibilidade de colapso de seus sistemas de saúde e a consequente falta de equipamentos médicos e respiradores, os países se lançaram em uma corrida frenética para a compra desses insumos no mercado mundial. A China, que é responsável por 90% da produção de equipamentos de proteção individual (EPI’s) e um quinto da produção de respiradores, se tornou o principal fornecedor dessas compras que estão permeadas de acusações de quebras de regras do comércio internacional.

Governadores da França e da Alemanha acusaram os Estados Unidos de desviar compras, ao pagar de três a quatro vezes mais o valor que estava definido previamente nos contratos o que, segundo o ministro de Interior alemão, Andreas Geisel, se configura como um ato de “pirataria moderna”. Trump também restringiu exportações de materiais considerados essenciais para o combate do coronavírus por parte de empresas americanas, ação que foi tomada igualmente pelos governos da França e da Alemanha em relação às suas empresas.

No Brasil, a importância de manter boas relações bilaterais com a China nesse contexto parece ser minimizada por pessoas ligadas ao governo, como filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, e o ministro da Educação, Abraham Weintraub. Ambos ofenderam a China por meio de postagens em redes sociais consideradas de cunho racista e xenófobas, mas que tiveram respostas à altura da embaixada chinesa em Brasília. Não se descartam reações chinesas de outra índole no futuro próximo.

Eduardo, repetindo Trump no começo da crise, classificou o coronavírus como “vírus chinês”, culpando o país asiático pela pandemia. A embaixada da China respondeu o comentário chamando o filho do presidente de irresponsável e disse que ele havia contraído um vírus mental ao retornar de Miami, nos Estados Unidos, o qual estava infectando a amizade entre os países. Na mesma toada, Weintraub fez uma postagem na qual insinuava que a China teria um plano com o espalhamento do coronavírus para obter lucro e vantagens geopolíticas. A embaixada respondeu novamente dizendo que a postagem tinha “cunho fortemente racista” e que isso poderia estremecer as relações bilaterais entre os países.

As postagens do ministro da Educação e de Eduardo estremecem as relações com o principal parceiro comercial do Brasil, em um contexto no qual provavelmente irá precisar de equipamentos médicos chineses, assim como grande parte dos países. Se for considerado que Bolsonaro é um dos únicos governantes que não está tomando medidas para frear o espalhamento do coronavírus, instigando os seus apoiadores a defenderem que o isolamento social acabe, o que pode levar ao colapso mais rápido do sistema de saúde e à falta de equipamentos médicos, aumentando a necessidade de compra dos produtos chineses, as declarações tomam contornos ainda mais dramáticos.

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