A falsa contradição entre quarentena e trabalho
O presidente Jair Bolsonaro criou uma falsa contradição entre quarentena, isolamento social e o trabalho, atividade econômica. E fez desse embate – entre qual caminho o país deve seguir – a grande disputa nacional que tem mobilizado energia e militantes, os favoráveis e contrários, que tudo feche ou que tudo abra. Como se existisse um só caminho.
Eis aí a grande inverdade. E sobre isso que quero refletir mesmo entendendo que essa polarização de Bolsonaro não passa de uma estratégia para manter alinhada a sua base social. Como também é verdade que os contrários a essa vertente têm caído sistematicamente na “armadilha do caminho único”.
A quarentena não é um dogma, não é uma verdade absoluta, tampouco o contrário é. A quarentena é um instrumento de saúde pública, de vigilância epidemiológica. Uma medida preventiva, no caso do novo coronavírus, para que haja um certo controle da contaminação para que se tenha o mínimo de domínio sobre o ritmo da contaminação.
Por que existe a necessidade desse controle? Para que não ocorra a desassistência aos doentes. Para que exista estrutura capaz para suprir a demanda por leitos, ou o mais grave, por leitos de UTI, por respiradores, já que um paciente grave contaminado pelo novo coronavírus demanda, em média, 14 dias de leito de UTI.
Ou seja, a quarentena se torna estratégica para que a contaminação não seja abrupta, pegando a estrutura de saúde desorganizada para cuidar dos doentes. Não existe quarentena como um fim em si mesmo e, sim, como um instrumento de gestão da saúde.
A decretação de um isolamento tem que ser momentânea, passageira, tem que consumir o menor período de tempo possível, apenas o necessário, para que os gestores de saúde pública e privada se organizem para garantir a assistência médica aos enfermos. No caso de Araraquara, estamos caminhando para um período de 45 dias de isolamento. Nesses longos dias que superamos, a Prefeitura trabalhou incansavelmente:
1. para conscientizar a nossa população dos riscos da doença;
2. para organizar a nossa rede básica para o aumento de demanda;
3. criamos um sistema de triagem por telefone;
4. criamos o atendimento domiciliar para os idosos (principal grupo de risco);
5. organizamos as equipes de “bloqueio” e monitoramento dos pacientes contaminados, familiares e comunicantes;
6. criamos atendimento psicológico para a nossa população em quarentena;
7. estabelecemos parceria com a Unesp para a testagem de todos os sintomáticos, acabando com a subnotificação e obtendo dados reais sobre a contaminação da nossa população, o que nos deu maior agilidade para as nossas ações de contenção da doença;
8. criamos a retaguarda necessária para o atendimento dos nossos servidores, tanto psicológico, como de assistência médica, caso venham a se contaminar, inclusive com locação de um hotel para que não precisem expor seus familiares ao risco durante a recuperação;
9. colocamos em funcionamento o Polo Estratégico de Atendimento ao Coronavírus na UPA da Vila Xavier, tornando o local um grande centro de triagem dos sintomáticos, com 20 leitos e 9 respiradores;
10. está sendo concluída, ainda nesta semana, as obras do Hospital da Solidariedade, o nosso Hospital de Campanha com 50 leitos, sendo 30 de enfermaria e 20 de UTI.
Como todos podem ver, a Prefeitura de Araraquara, no período da quarentena, cumpriu a sua lição de casa. Nenhum morador do municipío irá, se a doença se manifestar, padecer sem assistência médica, como vimos em países europeus, nos EUA, países da América do Sul ou já em cidades brasileiras.
Isso significa que Araraquara pode sair de forma indiscriminada do isolamento? Claro que não. Ainda estamos longe disso. Mas podemos, já que não seremos pegos de surpresa pela doença, ir flexibilizando alguns setores que são importantes que funcionem, seja pela sua função social, seja pela sua capilaridade na geração de trabalho e renda, sempre seguindo as normas da vigilância epidemiológica e com rigorosa fiscalização.
O isolamento não é um fator de normalidade da sociedade. Ao contrário, ele é de extrema violência para o convívio social, mesmo sendo muito importante neste momento pelos fatores já mencionados. Sendo algo anormal, deve ser superado, com muita racionalidade, responsabilidade e colocando os interesse públicos em primeiro plano, tanto os interesses pautados pela saúde pública, como pelos empregos e manutenção da renda das famílias.
Os araraquarenses que puderem ficar em isolamento, fiquem. Estarão se protegendo e protegendo os que amam. Os profissionais das funções essenciais que são obrigados a trabalhar, os que não têm mais condições financeiras para a manutenção do isolamento (que temos a obrigação de organizar esse retorno às atividades), que prestem serviços para a nossa comunidade e busquem a superação das dificuldades vivenciadas, e cabe a nós, poder público, caso adoeçam, garantir toda a assistência médica.
Em Araraquara temos agido com muito rigor na defesa da saúde pública. Os tópicos acima demonstram isso, mas também tenho pautado nossa equipe de governo para não cairmos na armadilha “do caminho único”: ou isolamento ou trabalho. Essa falsa contradição não nos interessa.
Vamos também com muita ponderação, sempre olhando para os dados da Saúde, e seguindo as diretrizes do Comitê de Contenção do Coronavírus, buscar manter a atividade econômica e por consequência os empregos e a renda das famílias da nossa cidade.
Sou muito grato à extensa Rede de Solidariedade que construímos, do quanto estamos arrecadando alimentos, produtos de limpeza e higiene pessoal. Isso tem feito a diferença na vida das famílias em vulnerabilidade e tem nos ajudado na expansão dos nossos programas de segurança alimentar. Por mais que isso signifique muito para essas famílias, nada substitui a dignidade do trabalho e da renda oriunda desse.
Não é hora de extremismos e partidarização de temas como: defesa da vida, defesa da dignidade das famílias, que só existirá com empregos, trabalho e renda. É hora de fugirmos das falsas polêmicas e nos unirmos em torno do bem maior: a vida com qualidade.
Edinho Silva, Prefeito de Araraquara (SP)