É provável que a imprensa do resto do mundo esteja se perguntando: o que será do Brasil com Jair Bolsonaro? Textos críticos ao presidente brasileiro foram publicados ao redor do planeta. A manchete mais simbólica e impactante foi a utilizada pela revista The Economist no dia 26 de março: “BolsoNero”. A revista de viés liberal considera que Jair Bolsonaro possa ser um vetor do vírus no Brasil. A perspectiva é semelhante à de muitos outros veículos estrangeiros.

O noticiário sobre o Brasil mudou bruscamente durante o mês de março. No início do mês, as notícias que apareciam nos jornais estrangeiros tratavam de mortes causadas por deslizamentos de terra e do avanço do desmatamento e outras questões ambientais do país. O avanço da epidemia na Europa e a resposta do presidente brasileiro chamaram a atenção dos correspondentes estrangeiros e das agências de notícia. Em 13 de março, os olhos do mundo se voltaram para Jair Bolsonaro em função de seu encontro com Donald Trump, mas não pela reunião em si e, sim, porque integrantes da delegação brasileira foram contaminados pelo coronavírus.

As primeiras notícias eram de que o presidente brasileiro tinha testado positivo. A informação partiu do filho dele, o deputado Eduardo Bolsonaro, que depois mudou a própria versão. Ele conversou com emissoras de TV, jornais e agências de notícias estadunidenses. É evidente que uma informação dada à Associated Press ou à Reuters viaja o mundo em questão de minutos. A notícia foi publicada em sites na Espanha, Itália, Qatar, China, Argentina, Estados Unidos e outros.

Apesar do “susto” ter sido controlado rapidamente, Jair Bolsonaro se manteve no noticiário internacional conectado ao coronavírus. Veículos do mundo todo ficaram assustados com a postura do presidente que ajudou a convocar protestos pelas ruas do país, contrariando as orientações do Ministério da Saúde. Pior, jornais e emissoras de televisão exibiram imagens de Bolsonaro entrando em contato com manifestantes mesmo estando em período de quarentena por suspeita de ser um possível transmissor do coronavírus. Novamente, as agências de notícias foram os motores da propagação das imagens.

Em 19 de março, o jornal espanhol El Mundo que tem sede em Madri publicou reportagem dizendo que os brasileiros estavam atônitos com o comportamento de Jair Bolsonaro. O francês Le Monde chamou atenção para os panelaços feitos em todo o país contra o presidente. Nesse mesmo dia, o grupo de comunicação do Qatar, Al Jazeera, publicava uma reportagem sobre líderes mundiais que desafiavam as orientações da OMS e de especialistas em saúde que apontam o isolamento como a medida mais eficaz contra o avanço da epidemia. É evidente que Jair Bolsonaro foi mencionado no texto como um político populista que tem comportamento imprevisível. Foi também no dia 19 que ocorreu a repercussão das publicações feitas por Eduardo Bolsonaro em que ele acusava a China de disseminar o vírus pelo mundo.

Três dias depois, o New York Times publicou reportagem sobre o sistema público de saúde do Brasil. O jornal estadunidense é um entre tantos que falam sobre como o sistema público brasileiro tem capilaridade e tem por obrigação atender a todos. Porém, o texto do NY Times tratava, principalmente, da declaração de Jair Bolsonaro em que ele negou que o SUS fosse colapsar em função do coronavírus.

Em poucos dias, o presidente brasileiro conseguiu que o mundo todo o enxergasse como alguém fora da realidade. No dia 23, o inglês The Guardian publicou reportagem abordando a narrativa que o líder da extrema-direita brasileira vinha construindo. O jornal destacou trecho da fala de Bolsonaro em que ele afirmou que a pandemia era uma fantasia da mídia. No dia seguinte, o NY Times publicou em seu site notícias confeccionadas pelas agências Reuters e Associated Press sobre como o vírus se espalhava no Brasil enquanto o presidente negava qualquer problema.

Em 25 de março, o jornal novaiorquino informava que Brasil e México tinham os dois únicos presidentes da América latina que se negavam a adotar medidas contra a pandemia. No entanto, o texto afirma que Lopez Obrador voltou a atrás, mas que Bolsonaro decidiu manter o posicionamento e dobrar a aposta na radicalização de seu discurso. O texto ainda tratou da situação de vulnerabilidade nas favelas brasileiras.

Em seu site, o NY Times exibia publicações das agências de notícias sobre a “insurreição” dos governadores contra o presidente brasileiro. O negacionismo “bolsonariano” foi noticiado também por Le Monde, Al Jazeera, CGTN (China), La Nación (Argentina) e El Mundo (Espanha). O veículo espanhol também publicou reportagem sobre o temor que estremece as favelas brasileiras. O jornal diz que há o risco de um “massacre”. Já o site da Al Jazeera trazia o artigo do especialista em direitos humanos, Raphael Tsavkko Garcia. De acordo com Garcia, Bolsonaro vai devastar brasileiros vulneráveis. Ele lembra que o SUS sofreu muitos cortes de verba nos últimos anos e que isso compromete o combate ao covid-19. Segundo o autor, o Brasil não está nem um pouco preparado para combater a epidemia.

O dia 26 foi a data em que o jornal italiano Corriere Della Serra, já devastado pela quantidade de mortos na Itália, publicou reportagem sobre a postura de Jair Bolsonaro. O texto mostra o quanto o presidente brasileiro causa controvérsia: “É difícil compreender, neste momento, como todas estas anomalias podem coexistir, porque o Brasil corre o risco de se tornar o primeiro país com uma dupla crise, sanitária e institucional”.  O fato é que Jair Bolsonaro vai destruindo qualquer credibilidade que possa ter e isso respinga nos que estão ao seu redor. No dia 27, o Le Monde publicou reportagem sobre o Exército brasileiro: “Do positivismo ao anticomunismo paranoico”.

Nos dias seguintes, os jornais apontaram que Jair Bolsonaro está isolado politicamente, mas ainda tem algum apoio na sociedade. O que o noticiário internacional mostra é que Jair Bolsonaro não está apenas isolado, ele está deslocado da realidade e leva o Brasil inteiro na direção do precipício.

Bolsonaro e coronacrise na mídia tradicional

Dois episódios que envolveram o presidente no mês de março foram emblemáticos para demarcar sua irresponsabilidade em relação à crise provocada pelo coronavírus e sua incapacidade de dar resposta ao momento atual. A aparição de Bolsonaro na manifestação contra o Congresso Nacional, em Brasília, realizada no dia 15 de março, na qual interagiu e manteve contato com o público logo após voltar de sua viagem aos Estados Unidos, e a entrevista coletiva tragicômica realizada no dia 20, durante a qual ele e seus ministros se atrapalharam no uso de máscaras de proteção, o que resultou em imagens tragicômicas amplamente divulgadas no Brasil e no mundo. Ambos renderam editoriais críticos dos três maiores grupos da mídia tradicional.

O editorial publicado no jornal O Globo no dia 16, “Bolsonaro dá exemplo duplo de irresponsabilidade”, afirma que “aproximou-se de manifestantes na calçada do Planalto e ainda tocou na mão de alguns. Com este gesto conseguiu ser duplamente irresponsável: deu mau exemplo à população, que vem sendo instruída a evitar esses contatos, e atacou a democracia.” E um outro editorial, “Bolsonaro tem de cumprir seu papel contra o coronavírus”, publicado no dia 18, o jornal enaltece o Congresso e outras autoridades por tomar iniciativas contrárias ao presidente. “Os poderes da República precisam mesmo se articular no enfrentamento do coronavírus, sem contar com o presidente da República, se ele continuar em surto. Rodrigo Maia, Alcolumbre, Toffoli, Fux e outros agiram como se espera de autoridades com responsabilidade pública. Enviaram uma mensagem positiva ao país, ao se reunirem depois da demonstração de alheamento de Bolsonaro no domingo. Se há inépcia no Executivo, o Estado tem como defender a sociedade em momentos críticos.”

O editorial do Estadão em 20 de março, “Cabotinismo”, chamou de circo a coletiva realizada por Bolsonaro e seus ministros e ridicularizou o objetivo cenográfico do uso de máscaras que nenhum deles sabia colocar. O texto conclui que “a aflição aumenta ainda mais diante da confirmação de que não temos presidente de verdade, e o que temos tudo faz para atrapalhar o próprio governo e, por extensão, o País.” E que “Cientistas de todo o mundo lutam para encontrar tratamento para a covid-19. No Brasil, constata-se que a incompetência do atual governo é incurável.”

A Folha de S.Paulo foi mais contundente no editorial do dia 26, “Retire-se”, que destaca de início a capacidade de atrapalhar do presidente. “Diante da magnitude dos esforços necessários para mitigar os efeitos devastadores da epidemia do coronavírus sobre a saúde e a economia do Brasil, será preciso encontrar meios de anular, e logo, a capacidade de Jair Bolsonaro de estorvar a mobilização de guerra necessária para atravessar, com os menores danos possíveis, este episódio dramático da vida nacional.”

E conclui: “Que se forme um núcleo de governabilidade capaz de deixar em segundo plano as sandices do presidente, e que os políticos tenham a grandeza de suspender suas vaidades e projetos eleitorais por ora.”

A virada contra Bolsonaro no Twitter
O grafo a seguir foi gerado a partir das ocorrências coletadas em 17 e 18 de março, um dos picos contrários a Jair Bolsonaro nas redes sociais online no último período e, talvez, o início de sua derrocada no Twitter. As mensagens coletadas atendem o pré-requisito de mencionar Jair Bolsonaro ou suas variáveis.

No grafo estão presentes três grandes agrupamentos. Dois deles compõe a rede de ataques a Bolsonaro, formada pelos agrupamentos azul e verde. Estes agrupamentos, juntos, são responsáveis por 77,71% dos usuários e 63,36% das conexões. Já o agrupamento em defesa de Bolsonaro, da cor vermelha, representa 19,08% dos usuários e 34,64% das conexões.

Em resumo, as redes contrárias a Bolsonaro apresentam 1,92 de média de interação, e, as bolsonaristas, 4,28 de média. Essa diferença é uma característica de ações planejadas versus ações espontâneas. Enquanto ações planejadas envolvem a participação intensiva de alguns usuários, ações espontâneas tendem a ter um volume maior de usuários que apenas endossam um discurso específico de forma orgânica.

O que observamos é, utilizando-se de um termo específico da área biológica, o agrupamento bolsonarista ser fagocitado pelos agrupamentos críticos ao governo Bolsonaro neste momento. Isso se dá, em parte, pela introdução de outros agrupamentos que não necessariamente engajados com temas políticos regularmente, por novos flancos de críticas à Bolsonaro.

Assim, uma hipótese que se desenha é a de que o ponto da virada está no fato de o padrão da polarização ter sido subvertido nas últimas semanas, isto é: em cenários normais, o agrupamento azul estaria dividido em dois: um de imprensa e outro de esquerda. O de imprensa então se posicionaria no meio, dividindo bolsonaristas e o campo da esquerda/progressista.

No entanto, o que observamos, é uma ofensiva ferrenha também da imprensa contra Jair Bolsonaro. Assim, a imprensa passa a se posicionar no mesmo agrupamento que a esquerda e quem passa a colidir de forma mais direta com as redes bolsonaristas são agrupamentos que, normalmente, não abordam temas políticos. Assim, uma possível polarização da rede bolsonarista com estes atores se mostra extremamente mais difícil do que com figuras como Lula, por exemplo.

Em suma, a ausência de uma polarização política provida de uma figura central no campo da esquerda, nesse momento, enfraquece o contragolpe bolsonarista nas redes. A partir disso observa-se, portanto, uma série de ofensivas da rede bolsonarista contra os mais diversos alvos que, nos últimos dias, tem intensificado – ainda que sem nenhum sinal de eficácia – contra a China.

Coronavírus e o Brasil na imprensa estrangeira