Donald Trump anunciou que irá congelar os repasses feitos pelos Estados Unidos à Organização Mundial da Saúde (OMS), em mais um de seus ataques às instituições multilaterais. O motivo seria as ações tomadas durante a pandemia do coronavírus que, de acordo com Trump, teriam sido insuficientes para alertar o perigo aos países e com viés de blindar a China, onde a doença teria começado a se espalhar.

A política externa praticada por Trump tem como características principais o protecionismo e a crítica aos órgãos multilaterais, nos marcos de seu slogan de campanha e de governo o “America First”. Alguns momentos ilustram bem isso, como os ataques feitos pelo presidente americano à ONU durante sua fala na Assembleia Geral, as frequentes cobranças feitas aos outros integrantes da Otan para que façam mais repasses econômicos para a instituição e a promessa de não respeitar o pacto de defesa mútua caso algum deles seja atacado e a retirada dos Estados Unidos da Unesco, pois a agência estaria adotando medidas contra Israel, tradicional aliado americano, ao reconhecer e aceitar a Palestina como membro.

Os ataques e o cancelamento de repasses para a OMS podem ser entendidos nesse contexto. Entretanto, é evidente na conjuntura atual que outro fator deva ser levado em consideração. Trump está sendo criticado pela sua demora em agir efetivamente para conter o coronavírus e foi um dos chefes de Estado que minimizaram os impactos do espalhamento da doença, conjuntamente com Boris Johnson no Reino Unido e com Jair Bolsonaro no Brasil. Colocar a culpa, ou pelo menos parte dela, na insuficiência de ações e recomendações da OMS é, assim, uma forma de tentar mitigar essas críticas frente à opinião pública.

Entretanto, um olhar mais atento para os movimentos de Trump e da OMS nesses últimos três meses mostra que essa tática pode ser muito vulnerável. Quando o coronavírus ainda estava somente circulando na China, em janeiro, Trump não poupou elogios às autoridades daquele país pelas ações tomadas para contê-lo. Em uma rede social, o americano agradeceu em nome dos Estados Unidos os esforços despendidos pela China e sua transparência, terminando com um agradecimento especial a Xi Jinping. E desde janeiro a OMS vem fazendo alertas aos chefes de Estado sobre a gravidade da pandemia, sendo que no dia fim do mês ela declarou emergência global.

É verdade que, apesar de caracterizar o coronavírus como emergência global, a OMS não aconselhou que fossem feitas restrições nas viagens internacionais com saídas de locais afetados, pois, à época, tinha a avalição de que isso poderia ser pouco eficaz no combate à doença.

Porém, também é verdade que somente em meados de março, mais de um mês depois, Trump mudou seu discurso em relação ao coronavírus e passou a apoiar políticas de isolamento social, sendo que ainda no final de fevereiro ele fazia pronunciamentos dizendo que em poucos dias o coronavírus iria embora e que o número de pessoas doentes cairia para zero. Hoje os Estados Unidos é o país mais atingido pela doença, com mais de 600 mil infectados e 26 mil mortos.

Por último, é importante ressaltar que essa disputa sobre quem é o culpado pelos estragos causados pelo coronavírus poderá influenciar o resultado as eleições presidenciais estadunidenses que, até o momento, estão marcadas para novembro. Trump concorre à reeleição. Sua gestão e postura frente à pandemia, bem como o desempenho da economia poderão definir se ele continuará como presidente por mais quatro anos ou não, pois com certeza estes temas serão importantes na disputa eleitoral.

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