Com exceção daqueles que não sabem lidar com o arrependimento, parece que a grande maioria dos brasileiros, tenha votado em Bolsonaro ou não, vai se dando conta de que o país está à deriva, desgovernado, à mercê das vicissitudes de uma inédita crise planetária, de múltiplas determinações e imprevisíveis desdobramentos.

O capitão Bolsonaro já não comanda seus ministros. Entre esses, embora se possa identificar aqui ou ali escassos rompantes de lucidez e responsabilidade com a coisa pública, a norma é a moita ou, na melhor das hipóteses, ações laterais para evitar prejuízos de maior gravidade aos grupos de interesse para os quais cada um deve satisfações.

Sob tais circunstâncias, os desafios são hercúleos, seja para lidar com as urgências decorrentes dos nexos econômicos e sociais que se desmancham sob os nossos pés, seja para iniciar desde logo o debate crucial sobre como faremos para reconstruir o país a partir das cinzas.

Infelizmente, o chamado núcleo econômico do governo, subordinado ao banqueiro Paulo Guedes, parece absolutamente despreparado para lidar com questões estruturais ou sistêmicas, quanto mais para comandar os esforços para reconstrução nacional que se fará inadiável. Na cabeça dessa gente, o longo prazo está apenas um pouco adiante dos três meses, o mercado tudo pode e em seu espontaneísmo vicejará a prosperidade. Não sabem e não estão dispostos a descobrir como manejar o Estado para impulsionar o país.

Dentre as muitas tarefas que deverão ser alinhavadas nesse esforço de reconstrução do tecido econômico, uma das mais importantes talvez seja a de prospectar setores de atividade econômica que ao mesmo tempo 1) respondam às demandas sociais de um país historicamente desigual e injusto, 2) tenham dimensão, escala e capilaridade para arrastar consigo outros segmentos da produção e dos serviços; 3) estejam consonantes com as “vocações nacionais” erigidas ao longo de nossa industrialização e com o arcabouço institucional do Estado Social experimentado após a Constituição Federal de 1988; 4) gozem de reconhecimento e legitimidade perante a maioria dos brasileiros pela sua importância estratégica e seu valor para o bem-viver no país.

Tudo considerado, chegaremos provavelmente à conclusão de que no centro do esforço de reconstrução do país deveremos ter como meta-síntese o fortalecimento e expansão de algo que poderia ser chamado de “Complexo Econômico do Bem-Estar”, à luz do que tem sido apontado pelo economista Carlos Gadelha, da Fiocruz, e que poderia abarcar um arco bastante amplo de políticas públicas, tais como: 1) Saúde pública universal; 2) Educação pública universal; 3) habitação para todos; 4) universalização do saneamento; 5) segurança alimentar; 6) mobilidade urbana; 7) energia limpa e meio ambiente; entre outras.

Um projeto dessa envergadura, levado a cabo com crédito direcionado e financiamento público – única fonte possível para a expansão da demanda agregada nos próximos meses ou talvez anos – teria o condão não apenas de amalgamar diversas atividades econômicas que se encontram estilhaçadas pelas sucessivas crises que abateram o país durante esses anos de neoliberalismo ensandecido, como dariam impulso sustentado para um novo padrão de desenvolvimento (econômico, social e verde) capaz de garantir a um só tempo demanda efetiva para alguns bons anos de crescimento econômico, revitalização do nosso mercado de trabalho, ampliação da oferta de bens públicos e inédita melhoria nas condições de vida de todos os brasileiros.

`