Estados se dividem entre soltar presos ou prender mais ainda
Por Paulo Eduardo Dias/Ponte
Os três estados que concentram a maior população carcerária do país divergem nas estratégias para conter a proliferação do coronavírus. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu mandar presos do regime semiaberto para a casa para cumprir prisão domiciliar. No Rio de Janeiro, ao menos 32 presos preventivos ou temporários acusados de crimes sem violência já foram beneficiados pela mesma medida, segundo divulgou o Extra.
Na contramão de RJ e MG, a Justiça de SP atendeu ao pedido do governo de João Doria (PSDB) e suspendeu as saídas temporárias que iriam beneficiar 34 mil pessoas do regime semiaberto. Foi essa decisão o estopim para a rebelião em pelo menos quatro unidades prisionais, além da fuga de presos na segunda-feira (16/3).
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão que tem o dever de fiscalizar e normatizar o Poder Judiciário, havia recomendado que fossem revistas as prisões provisórias entre pessoas consideradas mais vulneráveis. No entanto, na mesma resolução, o órgão deixou em aberto a suspensão das audiências de custódia por 90 dias, o que pode agravar ainda mais a situação dos superlotados presídios brasileiros.
Diante da recomendação os tribunais de Justiça do RJ, SP e MG decidiram que juízes avaliarão caso a caso e poderão realizar audiências em situação de urgência. Do contrário, as sessões estão suspensas, incluindo as de custódia, que é um dispositivo previsto pelo CNJ desde 2015, que exige que qualquer pessoa presa seja apresentada em até 24 horas a um juiz para que a necessidade da manutenção da prisão seja julgada. É na audiência de custódia que também é possível verificar se houve algum tipo de violação de direitos durante a abordagem. As audiências também ajudam a reduzir o problema de superlotação nos presídios brasileiros.
Um dos primeiros estados a se posicionar sobre a resolução do CNJ foi São Paulo, que tem a maior população prisional do país, com mais de 233 mil encarcerados. Em comunicado, o TJ confirmou a “dispensa das audiências de custódia” por um prazo inicial de 30 dias. No entanto, tais audiências podem ocorrer se o magistrado achar necessária.
A desembargadora Ivana David, da 4ª Câmara Criminal, explicou que, pela resolução do TJ-SP, a necessidade de revogar ou relaxar prisão dependerá de cada caso. “Os tribunais poderão analisar eventual constrangimento por habeas corpus que estão sendo processados normalmente”, declarou.
É exatamente a ausência de uma ferramenta de combate à tortura que preocupa o advogado criminalista André Lozano Andrade, mestre em Direito Penal pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica).
“Quando você suspende a audiência de custódia você desumaniza o preso. Quando você tira a humanidade dessa pessoa é muito mais fácil o juiz negar liberdade. Fora que a audiência de custódia é um mecanismo para você conter abusos policiais, tortura e agressões”, pontua.
Quem também critica a ausência de audiências de custódia é a advogada Ana Lucia Marchiori, integrante da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio. “A suspensão das audiências de custódia coloca uma questão do direito de defesa e ao contágio das demais medidas faz que a pessoa permaneça mais tempo no sistema ou ainda aumentando o ingresso no sistema”.
“O STF [Supremo Tribunal Federal] já tinha firmado entendimento que ‘não permite a substituição da apresentação da pessoa presa à autoridade judicial pelo exame do auto de prisão em flagrante’”, completou.
Para Hugo Leonardo, presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), que na última segunda-feira (16/3) ingressou com um pedido junto ao STF pela liberação de presos que não tenham cometido crimes violentos e que se enquadrem em grupos de risco, é necessário um entendimento para que a população prisional não aumente, situação que pode ocorrer sem as audiências de custódia. “Penso que o CNJ e nenhum tribunal deveria suspender essas audiências, principalmente por se tratar de pessoas presas. O que deveriam, sim, era evitar ao máximo decretar qualquer medida privativa de liberdade nesse período”.
O Rio de Janeiro, determinou, em documento assinado pelo desembargador Claudio de Mello Tavares, que “as audiências de custódia, de réu preso, e de apresentação de adolescentes em conflito com a lei, serão realizadas através de videoconferência até o fim do período das medidas protetivas [60 dias] contra o avanço do coronavírus”. A resolução do TJ-RJ ainda informa a suspensão de prazos processuais dos processos físicos e eletrônicos entre os dias 17 e 31 de março. Tal documento não menciona diretamente a situação de presos preventivos ou provisórios no estado.
Outro ponto definido pelo judiciário do Rio de Janeiro é de que “será permitida, excepcionalmente, a realização de audiências nos processos em que os réus se encontram presos, desde que mediante decisão fundamentada do magistrado, justificando a urgência, apontando risco iminente de prescrição ou de excesso de prazo no tempo de prisão preventiva”.
Já o Tribunal de Justiça de Minais Gerais, presidido pelo desembargador Nelson Missias de Moraes, determinou que sejam tomadas medidas visando até mesmo a liberdade para grupos de pessoas consideradas como potenciais vítimas do coronavírus, como idosos e doentes crônicos, por exemplo, pacientes com diabetes, HIV e tuberculose. Estão previstas medidas alternativas à privação de liberdade.
“Recomenda-se que todos os presos condenados em regime aberto e semiaberto devem seguir para prisão domiciliar, mediante condições a serem definidas pelo juiz da execução”. O texto ainda explica que “recomenda-se a revisão de todas as prisões cautelares, a fim de verificar a possibilidade excepcional de aplicação de medida alternativa à prisão”.
Para o advogado André Lozano, “o correto é que as pessoas que estão presas preventivamente sejam soltas, em especial as que possuem audiências marcadas para esse período. Considerando a situação carcerária brasileira, reconhecidamente insalubre, é imprescindível que se faça um esforço para verificar em que casos realmente a segregação cautelar é imprescindível”, pontuou.
Lozano cita ainda vícios nos pedidos de prisões que deveriam deixar de ocorrer, principalmente neste momento. “Nas decisões que decretam a prisão preventiva há uma abundância de fundamentais genéricas e sem respaldo no caso concreto. Se isso já é grave em situações de normalidade, quando falamos de uma pandemia essa situação é ainda mais séria”, criticou.
Ao contrário dos especialistas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) elogiou as medidas que vão na direção de restringir os acessos da população prisional, elogiando a suspensão das visitas nas penitenciárias federias, anunciada pelo Departamento Penitenciário Nacional. “Outras medidas sob responsabilidade do Poder Executivo Federal também estão sendo tomadas pelo Ministério da Justiça”, escreveu em sua conta no Twitter.