Rebelião, fuga de presos e o coronavírus no sistema prisional
No final da tarde da última segunda-feira, 834 presos fugiram em rebeliões no Estado de São Paulo. Até quarta-feira, segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), 517 já haviam sido recapturados pela PM.
As fugas e rebeliões se deram após decisão do Tribunal de Justiça de SP de suspender saída de presos em regime semi-aberto por temor de infecção por coronavírus e posterior alastramento nas unidades penitenciárias. Trinta e quatro mil detentos em todo o estado seriam afetados pela medida, numa semana em que estava planejada a saída de alguns que poderiam ficar em suas casas durante sete dias. Trata-se de uma das cinco saídas temporárias a que os presos têm direito por ano. Nos vídeos que circularam pelas redes sociais que mostram os detentos em fuga, alguns falam “voltem na segunda, hein”.
Cinco unidades registraram rebeliões e/ou fugas. São elas: Mongaguá, Porto Feliz, Tremenbé, Mirandópolis e Sumaré.
A decisão da Justiça se deu após pedido da SAP para que essa saída fosse barrada para evitar que os presos saíssem e voltassem infectados, contaminando assim outros detentos.
Segundo a SAP, outros fugitivos seguem sendo procurados. A avaliação oficial é de que o motim não tenha se dado de forma articulada, mas tenha sido uma resposta pontual apenas à restrição de saída.
Detentos ateiam fogo em canavial após fuga em Porto Feliz
Porém, vale uma olhada mais atenta. Detenções de regime semi-aberto possuem algumas particularidades: primeiro, os presos saem, durante o dia, para exercer suas atividades de estudo ou profissionais, só retornando para a unidade prisional no final da tarde; segundo que, por determinação da legislação brasileira, não possuem vigilância armada. Até pouco tempo, tinha-se uma avaliação de que o Primeiro Comando da Capital (PCC) não tinha o comando destas unidades. Há, no entanto, alguns indícios de que esta relação está em processo de mudança e o PCC esteja se articulando também nesses espaços.
Especialistas chamam atenção para um crescente aumento da tensão entre presos e o governo do estado. Em 2016 já houve rebeliões em unidades de semi-aberto no Estado de SP (Jardinópolis, Mococa e Bauru). Na ocasião presos demandavam melhores condições de higiene e alimentação.
Além disso, no início do mês de março, em apoio a greve de fome de integrantes do PCC em Brasília (em unidades federais), presos de SP se recusaram a comparecer em audiências. A denúncia de familiares e da defesa dos presos de Brasília é que lideranças do facção estão sendo submetidos à tortura no sistema federal (falta de atendimento médico, privação de alimentação e até a revista vexatória).
A tensão permanente entre crime organizado, governos do estado e presos pode se potencializar com a crise do coronavírus.
Na manhã de terça-feira, dia 17, em entrevista, Sérgio Moro deu uma declaração dizendo que os estados têm autonomia para administrar o sistema prisional como bem entenderem.
Tribunal de Justiça de Minas Gerais recomendou no início da semana que todos os presos em regime semi-aberto sigam em prisão domiciliar e não tenham que voltar às unidades prisionais. Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu também nesta manhã um documento com recomendações que caminham no mesmo sentido. Assinado pelo presidente do CNJ, ministro Dias Toffoli, as propostas nele contidas caminham no sentido de flexibilizar as medidas de restrição de liberdade, priorizando adoção de regimes abertos, liberdade provisória com ou sem fiança, além de reforçar os cuidados médicos e de prevenção nas unidades de regimes fechados. Medidas importantes para garantir o mínimo de cuidado para uma população de mais de 800 mil pessoas (segundos dados do CNJ) que já vive em condições de superlotação e, muitas vezes, alto grau de insalubridade.