Em um momento de pandemia, o governo insiste que as “reformas” podem “aniquilar” o vírus. No dia 13 de março, o ministro da Economia Paulo Guedes afirmou que “se promovermos as reformas, abriremos espaço para um ataque direto ao coronavírus. Com três bilhões, quatro bilhões ou cinco bilhões de reais a gente aniquila o coronavírus. Porque já existe bastante verba na saúde, o que precisaríamos seria de um extra. Mas sem espaço fiscal não dá”. O curioso é que, três dias depois, recalcularia o que disse e apresentaria um plano de remanejamento de 147 bilhões de reais como forma de “aniquilar” o vírus.

Pois bem. Entre as reformas propostas por Guedes e tidas como prioritárias para abrir “espaço fiscal” está a PEC 188/2019 (chamada PEC do pacto federativo) – além do chamado Plano Mansueto e da PEC 186/2019 (PEC Emergencial). Um aspecto importantíssimo da PEC 188/2019 porém pouco comentado, é que ela visa acrescentar um “detalhe” ao artigo 6º da Constituição Federal (em que, hoje, se lê que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”): a referida PEC propõe, como parágrafo único, que “será observado, na promoção dos direitos sociais, o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional.” Se não acredita, confira no texto da PEC. Ou seja, a PEC quer instituir que os direitos sociais estejam condicionados ao “equilíbrio fiscal intergeracional”, instituindo a austeridade fiscal acima dos objetivos de desenvolvimento social ou de garantia de acesso aos direitos humanos.

O grave é que a tramitação desta e de outras medidas como a Medida Provisória 905 (que institui o chamado contrato de trabalho verde e amarelo) ou a já referida PEC 186/2019 tem continuado no Congresso, com a aceleração de suas tramitações e sem discussão com a população devido à pandemia e as restrições de circulação no ambiente. Em um momento de pandemia, em que é preciso fortalecer os instrumentos para amortecer os impactos sanitários, sociais e econômicos da crise, a proposta do governo é mais austeridade, é mais da mesma receita aplicada desde 2015 e que não tem funcionado. Se lá fora, dada a crise, na Europa fala-se em estatizar empresas ou nos Estados Unidos fala-se em enviar cheques aos cidadãos afetados, no Brasil as propostas do governo para atravessar a crise – apresentadas ontem, além da insistência nas reformas – são tímidas por se tratar de mera realocação de recursos, insuficientes por não chegar aos mais pobres (os recursos extra anunciados para o Bolsa Família, por exemplo, não chegam nem a zerar a fila atual do programa, que dirá suprir a demanda que virá; para informais e pessoas de renda baixa mas que não estão no Cadastro Único não há propostas) e não fogem do arcabouço da austeridade.

Alguns dias atrás, ao se referir à economia brasileira, o ministro Paulo Guedes afirmou que “o Brasil tem uma economia e uma dinâmica própria. Tem um sistema financeiro muito forte, muito bem monitorado. E à medida que os impactos forem chegando, nós vamos neutralizar”. É curioso que o ministro use o termo “mercado financeiro” quase que como sinônimo de “economia”, ou como a parte mais importante da economia. É de se esperar esse uso vindo de um representante deste mesmo mercado mas isso também mostra que nas mãos de Guedes, o Brasil fica refém das opiniões do “mercado”, que – diz-se – reagiria mal a um aumento dos gastos públicos ou uma revisão do arcabouço fiscal do Brasil, ainda que em momento de crise.

Este momento é também hora de pensar que tipo de sociedade gostaríamos que saísse dessa crise. Slavoj Žižek, ao comentar o momento, pergunta: “Será que isso tudo não assinala claramente a necessidade urgente de reorganizarmos nossa economia global de modo a não deixá-la mais à mercê dos mecanismos de mercado?”

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