À medida que Bernie Sanders cresce nas prévias do Partido Democrata dos Estados Unidos, volta a esquentar o debate em torno da chamada MMT (na sigla em inglês: moderna teoria monetária).

Mas, antes que você vire a página ou clique em outra aba, modestamente me proponho a apresentar os principais aspectos desse importantíssimo debate, aparentemente abstrato e esdrúxulo, mas que não deve e não precisa ficar restrito à gente que se dedica a escarafunchar os meandros da economia. Em pouquíssimas palavras, eu resumiria o assunto da MMT da seguinte maneira:

1) A moeda, prenhe de contradições, é ao mesmo tempo a mais aguda manifestação da socialização da produção e o bem (ativo) primeiro e último (D-D’) da acumulação privada que faz girar o capitalismo.

2) A moeda não tem substância material alguma, seu único lastro é a fé em torno da crença de que permanecerá sendo objeto de fé.
3) A moeda é uma produção social: gestada como resultante das inúmeras operações no sistema de crédito de um país (garantidas e reguladas pelo Estado) e sancionada pela emissão pública de papel-moeda ou por títulos públicos.

4) Logo, a quantidade de moeda em circulação é tecnicamente indeterminada, trata-se de uma escolha essencialmente política.

5) Se assim é, não existe um limite rígido para o gasto público, seja ele financiado pela emissão de papel-moeda ou por endividamento (mas, atenção, o céu não é o limite: em condições de pleno emprego dos recursos humanos e materiais de uma dada sociedade, a criação de moeda passa a ser disfuncional e problemática).

6) Tudo considerado, pode-se dizer que a moeda é uma espécie de chave comutadora entre ESCASSEZ e ABUNDÂNCIA e, nesse sentido, é a expressão mais sintética possível – por isso quase ininteligível – da luta social. Assim, a disputa em torno de sua produção e gestão é a mãe de todas as disputas que fervilham sob a acumulação capitalista.

7) Por conseguinte, há um imenso aparato (teórico e midiático) que se dedica convencer a massa do suposto caráter neutro da moeda e da importância da sacrossanta tarefa de fazer sua gestão de forma científica e independente da vontade dos homens (vide a cruzada pela autonomia do Banco Central, como a que acontece neste momento no Congresso brasileiro).

8) Em suma: a gestação e a gestão da moeda é que definem o grau de escassez vigente em nossa sociedade. E essa escassez – arbitrada pelos homens e não mais definida por condições objetivas como ocorria até duzentos anos atrás – é a variável crítica que permite aos possuidores de capital mantê-lo como tal (valorizado e valorizando-se). Em última instância, a escassez produzida a partir do controle privado sobre o bem público por excelência (a moeda) é a fundamento e a garantia do poder de uns sobre os outros. É na moeda que reside, portanto, o segredo da esfinge do capitalismo.

Nota: o tema não é novo. Marx e Keynes já haviam tratado com acurácia da centralidade da moeda e seu significado crítico na acumulação capitalista. Contudo a máquina ideológica capitalista tratou de anular suas perigosas reflexões. Restou ao marxismo de pé quebrado – e muitas vezes moralista – empunhar a bandeira contra a extração da mais-valia e ao keynesianismo bastardo clamar pela ação do Estado para suprir as falhas de mercado e agir de forma compensatória para dirimir as agruras sociais. Diante desse apagamento da perspectiva crítica da moeda, a tal MMT surgiu nos anos 1990, quase em tom de piada. Randall Wray, um economista heterodoxo norte-americano, nomeou ironicamente como “Modern Monetary theory” um artigo acadêmico no qual discutia essas antigas questões monetárias, que de novo não tinham nada. Anos depois, na campanha eleitoral estadunidense de 2015, o tema foi encampado por B. Sanders nos EUA, jogando luz sobre essa dimensão crucial do capitalismo.

Bernie Sanders e o segredo da esfinge