Israel-Palestina: a Casa Branca e o acordo de um lado só
Em dia supostamente histórico para a paz mundial (28 de janeiro), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ladeado pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, apresentou na Casa Branca, em Washington, proposta objetivando uma conciliação perpétua entre israelenses e palestinos. A julgar pelo que anunciou a imprensa internacional (análise mais acurada só poderá ser delineada após conhecimento da íntegra do teor articulado), não será surpresa se tudo não passar de um grande blefe, irreal e impossível de se consolidar. Várias são as razões para presumir que o desfecho será negativo:
Primeiro, os palestinos não participaram do acordo; segundo, não faz qualquer sentido a capital da Palestina situar-se em Jerusalém Oriental se a cidade inteira de Jerusalém permanecer sendo reconhecida como capital “indivisível” de Israel. Aliás, se Jerusalém Oriental será a capital palestina, por que os palestinos terão que ser “autorizados” a circular pela parte antiga (incrustada no setor oriental), justamente o espaço mais conflitante da Cidade Santa?
Ou o conceito de Jerusalém capital “indivisível” israelense valerá mais que o conceito de Jerusalém Oriental capital palestina, ou então o conceito de Jerusalém Oriental será reduzido ao conceito de Jerusalém “Suboriental”, uma vez que o setor de Jerusalém Oriental que a todos interessa será inteiramente israelense, assim como continuará sendo a parte ocidental da cidade; terceiro, Israel permanecerá ocupando (irregularmente, diga-se) os assentamentos na Cisjordânia, as Colinas de Golã, ou seja, controlando o Vale, as nascentes do Rio Jordão, assegurando a água, enquanto a Palestina, em contraprestação, receberá uma parte do árido deserto de Negueve, certamente pelo lado oposto à saída marítima da Faixa de Gaza. Ora, esse é o acordo que os Estados Unidos imaginam que os palestinos aceitarão em troca do reconhecimento de seu Estado? Afinal, que tipo de Estado os norte-americanos pensam que os palestinos querem que seja reconhecido?
Sendo coincidentes as primeiras informações divulgadas via imprensa a possibilidade de palestinos aceitarem essa proposta é quase zero. Só não é possível afirmar totalmente zero, porque não seria irrazoável supor que certos segmentos palestinos, não de áreas autônomas já reconhecidas, mas de campos de refugiados em países adjacentes assimilem a ideia. Mas não por acharem-na boa, por desejo de retornar à terra natal e porque a situação nos refúgios é reconhecidamente desumana, absurdamente desoladora, especialmente após os Estados Unidos, deste mesmo pretendente a salvador da humanidade, Donald Trump, cortar a minguada contribuição financeira que sua nação repassava, desde os idos de 1949, à Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA) para custeio, sobretudo de saúde e educação nos campos.
Mesmo assim, é quase impossível haver aceitação, inclusive porque há mais dois elementos nessa complexa discussão: a rigor, parte expressiva dos palestinos reivindicam todo território de Israel como Palestina; esse suposto Estado palestino derivado da proposta em curso, com reconhecimento formal dos Estados Unidos e Israel, seria totalmente desmilitarizado (sem Forças Armadas), na prática rendido ao controle militar do Estado israelense.
A verdade neste imbróglio é que qualquer acordo que não respeite os limites de fronteiras de 1967, antes da Guerra dos Seis Dias (ocasião em que Israel ocupou substancialmente a Palestina) não será justo, inclusive porque é o que, há décadas, já definiu como parâmetro aceitável a Assembleia Geral da ONU, através da Resolução 242.
O que busca o presidente Donald Trump com a proposta recém-apresentada é tão somente dissimular para tentar passar ao seu país uma imagem de grande César, alavancando popularidade justamente quando atravessa um processo de impeachment às vésperas do início do período eleitoral de renovação de mandato presidencial. Por outro lado, vender ao resto do mundo a ideia de que possui interesse em resolver um drama histórico, mesmo sem vontade alguma de encontrar uma melhor solução. Noutra mão, tentar arrefecer um sentimento antiamericano no Oriente Médio mais acentuado após o cruel assassinato do general Qasem Soleimani, o acirramento das tensões com o Irã e o Iraque, com o Hezbollah, e, por via de consequência, com o Hamas. Se bem que, nesse caso, nem o Fatah do presidente Mahmoud Abbas deverá aceitar a proposta, por não haver participado de sua formatação e, também, pelo risco que assumiria ao endossar uma imoralidade da espécie.
Cinquenta bilhões de dólares não justificam tamanha humilhação para quem tanto já teve que suportar. E menos ainda a promessa dos Estados Unidos de levarem para sua microlocalização em Jerusalém “Suboriental” uma embaixada norte-americana, que, por sua vez, também será, no tocante à representação diplomática em Israel, definitivamente transferida de Tel Aviv para a Jerusalém, capital indivisível do Estado isralense.
Por muito menos, ao pactuar os Acordos de Oslo na década de 1990, em prol de um início de entendimentos pela paz na região, Yasser Arafat foi defenestrado pelos seus concidadãos e a unidade palestina rachou indefinidamente. A proposta apresentada ontem na Casa Branca, com clara pendência para um lado em detrimento de outro, é mais um engodo dos Estados Unidos, capitaneado pelo presidente Donald Trump, tendo à cola o consorte israelense Benjamin Netanyahu.
Vexatório para nós brasileiros (para mim especialmente que escrevo esse texto) é imaginarmos, já quase tendo certeza, de que mesmo sem ser convidado para a “festa” e, ao que tudo indica, despossuído de qualquer noção sobre a questão geopolítica em pauta, o serviçal de Pindorama já deve, numa hora dessas, haver parabenizado os “heróis do feito” por algo que não foi feito.
Marcelo Ribeiro Uchôa
Professor Doutor de Direito Internacional Público. Integrante da Secretaria de Relações Internacionais da Associação de Juristas pela Democracia (ABJD). Membro do Núcleo da ABJD do Ceará