Bosonaro foi a Índia para fazer graça com Narendra Modi, primeiro-ministro do país, e como já aconteceu em outros de em seus périplos pelo mundo, saiu deveras tosquiado. Claro que antes de embarcar de volta para o Brasil o capitão garganteou como de hábito e anunciou que retornava de sua turnê com quinze acordos bilaterais no bolso do colete.

De fato, foram iniciadas tratativas para que mais à frente sejam firmados os tais documentos. O busílis da questão, porém, é que na maioria dos casos os acordos atenderão muito mais aos interesses da Índia do que do Brasil. Prova maior é que restou à comitiva do Jair – e à nossa despudorada mídia corporativa – comemorar a abertura do mercado indiano de gergelim para os exportadores brasileiros. Isso mesmo: nossos agricultores, que em 2019 exportaram 24 bilhões de dólares da sementinha para o resto do mundo, poderão daqui para frente vender algumas toneladas a mais aos indianos que, diga-se de passagem, são os maiores produtores mundiais da diminuta oleaginosa.

De troco, o Brasil achou por bem ceder em questões muitíssimo mais relevantes. A principal diz respeito à disputa entre os dois países na Organização Mundial do Comércio (OMC). Sentindo-se prejudicado pelos subsídios à produção de açúcar indiano, o Brasil vinha há alguns anos denunciando o governo indiano na OMC, tentando estabelecer condições isonômicas para as exportações brasileiras do produto. Agora, como reciprocidade pelo punhado de gergelim e depois de algumas manifestações de afinidade ideológica entre os dois mandatários, o presidente Bolsonaro deixou a Índia com a promessa de rever a posição brasileira sobre os subsídios indianos e talvez suspender o processo na OMC – o que significaria uma perda anual de 1,3 bilhões de dólares ao Brasil (leia mais aqui).

Infelizmente, contudo, a safra de barganhas desequilibradas não parou por aí. Na bagagem do presidente e do ministro Ernesto Araújo outras pérolas da diplomacia terraplanista deverão render bons frutos à Índia e, na melhor das hipóteses, nenhuma vantagem relevante ao Brasil. Por exemplo, alinhavou-se um acordo de cooperação científica e tecnológica no setor de biocombustíveis cujo centro de pesquisa será… tchã-tchã-tchã-tchã… na Índia! Em outra frente, na ala de empresários que acompanhavam na moita a comitiva do Brasil, os representantes da empresa Tauros, produtora brasileira de armamentos e grande financiadora da “bancada da bala” no Congresso Nacional, anunciaram a criação de uma joint-venture com a empresa indiana Jindal (majoritária com 51%) para a construção de uma nova fábrica de armas a ser instalada… na Índia!

Como se vê, mais uma vez Bolsonaro volta de suas viagens pior do que quando saiu. Foi assim quando esteve nos Estados Unidos batendo continência para Donald Trump e entregou nosso mercado de trigo aos produtores gringos; foi assim quando se encontrou com o comparsa Benjamin Netanyahu em Israel e travou as exportações brasileiras de carne halal* para os países árabes, foi assim quando em uma negociação bilateral com o governo da Argentina conquistou para os produtores de abacate do Vale do Ribeira – terra onde vivem seus parentes – uma cota extra do mercado consumidor argentino, que desde então reduziu fortemente a entrada de produtos industrializados brasileiros.

De malogro em malogro, as estripulias internacionais do atual governo trazem preocupações crescentes, especialmente porque há em curso uma franca deterioração das contas externas do país. Conforme informado pelo Ministério da Economia no dia 27 de janeiro, no ano de 2019 o país registrou um grande rombo nas chamadas Transações Correntes de nosso Balanço de Pagamentos (-50,7 bilhões de dólares, o equivalente a 2,8% do PIB), número 22% superior ao de 2018 e que resultou da combinação de déficits nas contas de Serviços e de Rendas e vinte bilhões de dólares a menos em nosso saldo comercial.

 

*O halal é uma técnica sagrada de abate, descrita no Alcorão. Apenas carnes preparadas segundo essa cartilha podem ser ingeridas por consumidores da religião islâmica, uma comunidade que soma mais de 1,8 bilhão de pessoas no mundo.

Política do “abacate com gergelim” é risco para as contas externas