Mesmo sendo constitucionalmente prevista há mais de trinta anos, a Defensoria Pública brasileira passa por momentos de fragilidade e instabilidade devido não só às políticas orçamentárias adotadas pela União, como também à visão do governo federal sobre a inclusão social e de garantia de direitos aos mais pobres. Reconhecer a importância desse órgão e reivindicar sua permanência e ampliação é reconhecer o direito fundamental de acesso à via jurisdicional e a necessidade de políticas públicas voltadas às classes populares. Os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição de 1988 se concretizam via instrumentos e aparelhos do Estado, entre eles as políticas públicas e o acesso à via jurisdicional.

A garantia de igualdade, inclusão social, direitos e até mesmo a manutenção da própria democracia são diretamente relacionados à política pública de acesso ao judiciário. A Assistência Jurídica Integral e Gratuita e as Defensorias Públicas são entidades que buscam efetivar esse acesso, e o reconhecimento do papel desse órgão é importante tanto para o atendimento jurídico prestado quanto para a valorização deste e a luta constante pela sua permanência. A Constituição Federal, no artigo 134, prevê a Defensoria Pública como essencial à função jurisdicional do Estado e remete ao inciso LXXIV do art. 5º desta, no qual “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

A Defensoria é um órgão composto pela Defensoria Pública da União, Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios e as Defensorias Públicas dos Estados e Municípios. Para além do atendimento jurídico, cabe ao órgão funções como educação de direitos, conscientização do cidadão sobre meios de efetivação, acesso à informação jurídica e outros. Tendo em vista que no texto da Constituição a justiça é entendida como valor supremo, fica clara a importância do papel exercido pelas Defensorias no que diz respeito à formação de uma sociedade justa e à inclusão dos mais vulneráveis.

Uma pesquisa encomendada em 2017 pelo Conselho Nacional do Ministério Público aponta a Defensoria Pública como a Instituição mais importante do país. Para quase 50% dos entrevistados, a Defensoria é muito importante, enquanto 43% a consideram importante. Apesar da valorização por parte da população e do reconhecimento constitucional do papel desse órgão, a sua implementação e atuação é instável e ainda enfrenta muitas dificuldades. Segundo levantamento da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), o Brasil tem hoje cerca de seis mil profissionais ativos nesta categoria. O parâmetro das defensorias para cada defensor público é de até dez mil pessoas. A mesma Associação, porém, apresentou estudo em 2018 no qual consta um déficit de seis mil defensores estaduais, número a mais de profissionais necessários para atender o público alvo desse órgão.

No que diz respeito ao âmbito federal, em 2019 a Defensoria Pública da União sofreu a mais grave ameaça ao seu funcionamento até então. O alcance da DPU é hoje de 30% do território nacional e 63% de sua atual força de trabalho são servidores requisitados por uma lei aprovada em 2016 que emprestava esses funcionários à Defensoria até 2019, ano no qual deveriam ser devolvidos ou custeados pela DPU (despesa avaliada em cem milhões de reais por ano, sendo o orçamento anual da DPU de quinhentos 500 milhões). Estavam diretamente ameaçadas por essa situação e seriam fechadas 43 das setenta defensorias públicas federais do país , até que em 18 de julho foi assinada a Medida Provisória 888/19, que estende a permanência dos servidores.

A MP determina, porém, que a DPU reduza o quadro de requisitados, o que continua sendo uma dificuldade para que o órgão siga realizando seus atendimentos, dado o déficit de funcionários. Do outro lado, segundo o último relatório “Justiça em Números” do CNJ, as despesas com assistência jurídica gratuita representam 1,09% do total de despesas do Poder Judiciário, o que equivale a 4,91 reais por habitante. O direito de atendimento de defensores públicos é restrito àqueles cujo a renda familiar não ultrapassa dois mil reais mensais. Sabemos que esse recorte tem suas problemáticas, pois uma renda pouco superior a esta ainda não é suficiente para pagar assistência jurídica privada.

Segundo a última Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada pelo IBGE, são 16,5 milhões de famílias brasileiras com renda mensal de até dois salários mínimos, e 12,9 milhões com renda mensal entre dois e três salários mínimos. Esse segundo grupo era atendido pelas Defensorias até 2017, hoje não está mais dentro da população recorte. Esse recorte pode ser considerado um entrave ao acesso à via jurisdicional por uma parcela da população vulnerável.

A Defensoria Pública desempenha papel de extrema relevância na contenção do encarceramento em massa da população pobre e negra, números recentes mostram que este órgão é responsável por 40% dos recursos apresentados em instâncias superiores no Brasil. É fato que os mais prejudicados pela prisão em segunda instância são justamente o público alvo da entidade, A execução provisória, além de proibida constitucionalmente, aumenta o encarceramento e foi pauta da decisão contra a prisão em segunda instância feita pelo STF no último dia 7, resultado direto de reivindicação de organizações, movimentos sociais e muitos defensores públicos.

No que diz respeito a recursos de matéria penal, a Folha de S.Paulo levantou que entre 2009 e 2019 os defensores públicos obtiveram recursos total ou parcialmente providos em 48% dos casos, a advocacia privada, por sua vez, teve sucesso em apenas 23%. Esse dado evidencia a efetividade do órgão e a necessidade da assistência jurídica gratuita para que os direitos da população de baixa renda, dentre eles o direito à liberdade, sejam de fato garantidos.

*Victoria Braga é estudante de Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo e estagiária do Projeto Reconexão Periferias, da Fundação Perseu Abramo

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