Censo Agro 2017: Agricultura familiar está viva e presente!
Publicado originalmente no Sul 21
O Censo Agropecuário 2017 [1] mostra que há uma agricultura familiar viva, que responde com produção, mesmo em um período marcado pelos fortes ventos da demanda internacional por commodities [2], que estimulam concentração fundiária e homogeneização produtiva. É uma agricultura familiar que tem diferentes cores, raças, gêneros, e que também responde pela diversidade ambiental e de alimentos do Brasil.
O Censo revela ainda a manutenção de 80,7 milhões de hectares com mais de 10 milhões de ocupações de perfil familiar. Os 107 bilhões de reais de valor da produção familiar é superior à economia de ao menos 12 Estados brasileiros [3]. Em 20 estados a participação econômica da agricultura familiar ficou igual ou superior aos 23% da participação nacional. A tal “perda” de espaço se deu nas chamadas novas fronteiras agrícolas, como na região do Matopiba[4].
A tecnologia veio para todos, mas os pequenos responderam melhor. Segundo o Censo, 80,7% dos novos tratores tinham menos de 100 cavalos de potência, produzidos para pequenas propriedades. Mais de 70% dos financiamentos obtidos pelos estabelecimentos rurais vieram do Pronaf, que está consolidado em praticamente todo o país. Quem não se lembra do desafio lançado pelo Presidente Lula durante a crise internacional de 2007 e 2008, em que a melhor saída da crise era produzir mais e melhores alimentos? O Pronaf Mais Alimentos mudou a cara do Brasil Rural, e é exemplo da política anticíclica desenvolvida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A expansão da assistência técnica, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Alimentação Escolar e Seguro Agrícola e um conjunto de iniciativas focadas no bem-estar da agricultura familiar se articulavam para atendimento do mercado interno, que crescia com a redução das desigualdades e valorização do salário mínimo. Políticas que foram aniquiladas ou mantidas à míngua pelos governos que sucederam Lula e Dilma. E o MDA foi extinto.
Se a tecnologia explica tudo, o que explica uma PEC [5] que acaba com a função social da propriedade, e o boicote que impede a elevação dos índices mínimos de produtividade física, que estão congelados ainda nos anos 70 do século passado? O “sarrafo” da produtividade subiu, e quem ficou para trás hoje mantêm privilégios injustificados, como pagar impostos mais baixos e não ser desapropriado. Manter grandes propriedades que não aproveitaram o “sopro” do período só serve para alimentar especulação imobiliária e para sustentar a “herdeirocracia”.
Mais uma vez se provou que a agricultura familiar responde melhor aos estímulos de aumento da produção e produtividade, com políticas adequadas. Em um momento que seria bem mais negócio plantar soja, mulheres e homens seguiram nas feiras, colocando os alimentos nas escolas e na mesa das trabalhadoras e trabalhadores do Brasil. Definitivamente, quem não gosta da agricultura familiar bom sujeito não é. Quem gosta, valoriza a agricultura familiar e quer de volta as políticas e um Ministério para chamar de seu, o MDA.
Notas
[1] “Agência – Detalhe de Mídia | Agência de Notícias | IBGE.” 25 out. 2019. Acessado em 1 nov. 2019.
[2] “Soja é produto mais importante do Brasil e rende US$ 40 ….”. Acessado em 30 out. 2019.
[3] “Produto Interno Bruto – PIB | IBGE.”. Acessado em 30 out. 2019.
[4] Leite et al, “Mudanças Agrárias no Matopiba: Provocações Iniciais para um Debate”, 2019 (no prelo).
[5] “PEC de Flávio Bolsonaro ignora desafios ambientais e atenta ….” 17 jun. 2019. Acessado em 30 out. 2019.
(*) Analista em reforma e desenvolvimento agrário do Incra, presidente do Incra entre 2012 e março de 2015.