Por que crescem apoio e filiação aos sindicatos nos Estados Unidos
Na direção oposta ao que desejariam o presidente estadunidense, Donald Trump, e seu discípulo Jair “I Love You” Bolsonaro, a população dos Estados Unidos apoia cada vez mais a existência dos sindicatos. Segundo pesquisa divulgada no final de agosto deste ano pelo instituto Gallup, 64% das pessoas em idade economicamente ativa naquele país aprovam e apoiam a ação sindical.
Já segundo levantamento realizado no final de 2018 pelo prestigiado Massachusetts Institute of Technology (MIT), 48% das pessoas em idade economicamente ativa se filiariam a um sindicato, caso tivessem a oportunidade.
Nos últimos dois anos, os sindicatos filiados à American Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations (AFL-CIO), principal central sindical estadunidense, conquistaram meio milhão de novos sindicalizados, apesar de toda a oposição do partido Republicano e de decisões judiciais que pretendem esvaziar o movimento sindical.
Essa taxa de 48% de norte-americanos que desejam se sindicalizar supera o índice de 33% registrado em 1977, período anterior à campanha maciça contra o movimento sindical que seria iniciada anos mais tarde, por Ronald Reagan, ícone do neoliberalismo.
Uma das explicações para esse movimento é justamente a ação sindical, explica o presidente da AFL-CIO, Richard Trumka. Segundo ele, os sindicatos têm conversado pessoalmente, ou por telefone, com os trabalhadores associados e não-associados, há pelo menos dois anos, para falar da importância da ação coletiva e da sindicalização. Além das campanhas nos meios de comunicação sindical.
Outra razão pode estar na queda de poder de compra dos salários e da qualidade dos postos de trabalho nos Estados Unidos, resultado também do enfraquecimento do sindicatos, por conta das campanhas e ações contrárias ao movimento. Menos de 11% dos que trabalham naquele país são sindicalizados. A combinação desses dois fatores – empobrecimento e baixa sindicalização – vai deixando à mostra, com a ajuda de pesquisas acadêmicas e reportagens não-alinhadas aos donos do dinheiro, que ser sindicalizado faz diferença. E para melhor.
Por exemplo:
Sindicalizados ganham 25,6% a mais que outros trabalhadores não sindicalizados, graças às negociações coletivas. Têm também cinco vezes mais chances de se aposentar. Mulheres negras sindicalizadas têm salários 25% maiores que as não-sindicalizadas. As diferenças salariais entre gênero e raça são menores em empresas onde há atuação sindical. Isso por que, onde os sindicatos podem pressionar os empregadores e negociar, há contratos coletivos e condições mais favoráveis aos trabalhadores.
Esses e outros dados, coletados pelo Escritório de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos, são inclusive citados nas justificativas que encabeçam o projeto da Lei pelo Direito de Organização (Protecting the Right to Organize Act), elaborado e apresentado pela bancada do partido Democrata no Congresso. Aprovado na última semana de setembro pela Comissão de Educação e Trabalho da Casa, seguirá para o Plenário.
Se aprovado, vai abolir práticas que têm sido enormes obstáculos ao movimento sindical. Como as rotineiras demissões de quem manifesta o desejo de se sindicalizar, decisões judiciais que tentam desestimular a contribuição financeira voluntária ou o controle dos patrões sobre a decisão de abrir ou não um sindicato. Como nos Estados Unidos a representação sindical é por empresa – e para criar um sindicato é preciso a assinatura expressa de 50% mais um do total de empregados – o medo de retaliações deixa vários locais sem representação sindical.
“Isso soa familiar para você?”, pergunta, em tom jovial, o sindicalista Richard Trumka, em alusão aos ataques aos sindicatos sofridos atualmente no Brasil. Trumka, que iniciou sua vida laboral como funcionário de uma mina e, anos depois, formado advogado, ascendeu no movimento sindical, esteve recentemente no Brasil. Em Curitiba, visitou Lula, a quem entregou um prêmio em nome da AFL-CIO. Na sexta-feira, 11 de outubro, concedeu entrevista ao portal da FPA na sede da CUT, em São Paulo.
Acompanhe:
Nos Estados Unidos, o movimento sindical tem conseguido aprovar leis que tentam conter a perseguição e o esvaziamento dos sindicatos. Conte um pouco sobre isso.
Nós temos trabalhado com o partido Democrata para ter um nova lei implantada. Há duas semanas, essa lei, chamada Lei pelo Direito de Organização (Protecting the Right to Organize Act), foi aprovada em comissão da Câmara. Todos os democratas votaram a favor, e provavelmente a Câmara vai aprová-la. Vai ser uma luta para aprovar também no Senado, porque a direção do partido Republicano não quer nada que ajude os trabalhadores. Ao mesmo tempo, temos feito um esforço de sindicalização num ritmo muito interessante: nos dois últimos anos, conseguimos sindicalizar meio milhão de trabalhadores. Estamos crescendo entre os jovens: cada vez mais a juventude quer se sindicalizar e exige mudanças que permitam isso.
Estamos fazendo um grande esforço para termos também condições de sindicalizar as pessoas que trabalham na área de alta tecnologia, o pessoal que trabalha com aplicativos de transporte, para que eles tenham também o direito de ter sua voz ouvida.
Vamos ter eleições no ano que vem e esperamos ter um presidente e lideranças no Congresso que possam aprovar essa nova legislação que permita reverter a atual, tão negativa para os trabalhadores nos Estados Unidos nos últimos anos.
Quais são as chances de a nova legislação ser aprovada no Senado? E quais as principais mudanças que essa lei propõe?
A lei abole o “right to work”, um conjunto de leis que permite contratar trabalhadores avulsos para substituir quem está em greve, que permite aos estados impedirem sindicalização e desconto da contribuição sindical. A lei que pretendemos aprovar também extingue a proibição de greves de outras categoria em apoio a reivindicações de uma outra.
Hoje, quando você é demitido de uma empresa e contratado por outra, a indenização que você recebe é descontada no salário da nova empresa. Queremos que isso acabe.
A chance de essa legislação ser aprovada no atual Senado é pequena, não tanto pelo conjunto do senadores, mas pela liderança da maioria, que é republicana. Mitch McConnell (líder dos republicanos no Senado) não pretende colocar em votação. Então, depois das eleições, aí sim, se conseguirmos maioria, acreditamos na possibilidade de aprovação, a gente tem alguma chance.
Aqui no Brasil, além do governo e do Congresso terem um recorte conservador e anti-trabalhista, há uma campanha permanente por parte de setores da mídia que faz com que parte da população, senão a maioria, acredite que de fato sindicato não é necessário e ainda representa um entrave para o desenvolvimento. Como a AFL-CIO e seus sindicatos têm trabalhado para obter apoio popular a essas mudanças representadas pela nova legislação?
Em primeiro lugar, a opinião pública nos Estados Unidos em relação aos sindicatos está em direção oposta. Estamos com uma aprovação popular de 64%, que é a maior dos últimos cinquenta anos. Os jovens querem se sindicalizar como jamais antes. Das pessoas que nós sindicalizamos nos últimos dois anos, três quartos são jovens, com menos de trinta anos. E uma respeitada instituição, o MIT, fez uma pesquisa que mostra que 48% das pessoas que não são sindicalizadas o fariam hoje mesmo, se tivessem a oportunidade. E essa é a razão: o trabalhador americano não acredita que o sistema econômico funciona para ele. A única coisa que funciona para ele são os coletivos. Atualmente existem mais ações coletivas acontecendo nos Estados Unidos do que nas últimas décadas. Nós conseguimos demonstrar nosso poder e nosso valor para os trabalhadores. Por exemplo: um trabalhador sindicalizado ganha, em média, 150 dólares a mais por semana do que aquele que não é sindicalizado. A chance de quem é sindicalizado conseguir se aposentar também é muito maior.
Trumka, após visita a Lula
Outra coisa importante: em nosso último congresso, decidimos que íamos começar a promover trabalhadores sindicalizados para cargos públicos eletivos. No ano passado, em 2018, elegemos aproximadamente mil candidatos a cargos públicos. Dois para o Senado, três governadores estaduais, dezoito deputados federais e novecentos deputados estaduais. No próximo ciclo político, esse número deve crescer ainda mais. Então, esses trabalhadores começam a levar o recado dos trabalhadores para os corredores do poder. Ao invés de termos esses corredores contra nós, eles serão neutros ou passarão a ser mais favoráveis.
Outra coisa que vale a pena mencionar é que nós investimos muito tempo para entender os trabalhadores, quem são nossos associados, o que pensam, no que acreditam. Assim, vamos desenvolver mensagens que vão ecoar melhor junto às pessoas, vão energizá-las, motivá-las a participar de atividades. Inclusive, vão apoiar as candidaturas que nós indicarmos. Essa é uma parte importante do trabalho.
Gostaria de falar sobre o financiamento dos sindicatos. Para fazer um trabalho como esse que você acaba de relatar, são necessários recursos. Hoje, no Brasil, além da queda do número de filiados, há obstáculos ao recebimento das mensalidades, colocados por governos. Como lidar com isso?
Para responder essa pergunta, vou citar um exemplo do que aconteceu conosco. Ano passado, sob demanda do Partido Republicano, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que os servidores públicos não precisavam pagar contribuição sindical. Isso soa familiar para você? Eles acharam que isso seria um golpe mortal no sindicalismo do serviço público. Nós fomos e conversamos com nossos filiados. Telefonamos para eles. Falamos da importância de estarmos juntos, da solidariedade. Em vez de perder, nós ganhamos. Não deixamos o plano deles ter êxito. Conversamos com nossos associados, e principalmente ouvimos sobre o que eles querem, o que precisam. Quais suas expectativas, desejos e esperanças. E trabalhamos em cima disso. Ficamos mais fortes, da base para cima. Foi nisso que a gente focou. Então, aumentamos nossas taxas de sindicalização e contribuição.