Como deve saber o leitor, o Reino Unido se meteu em baita confusão desde que de forma oportunista seu ex-primeiro ministro do Partido Conservador, David Cameron, resolveu convocar um plebiscito sobre a permanência ou não dos britânicos na União Europeia. A proposta separatista (Brexit) prevaleceu com pequena margem, e desde então o povo da ilha da “quente cerveja” se coça sem saber para onde correr.

Nos próximos sessenta dias, entretanto, a ladainha deve chegar ao fim, com algum desfecho de grandes proporções (saída abrupta com recessão; novas eleições; governo provisório liderado pela oposição; novo plebiscito; entre outras).

Em meio a essa balbúrdia, uma réstia de luz se abriu para as forças de esquerda, mais especificamente para o Partido Trabalhista. Embora ninguém seja capaz de afirmar com precisão qual seria o resultado de uma eleição já no mês de outubro, Jeremy Corbyn, o líder dos trabalhistas, resolveu apresentar um programa de governo bastante ousado, anunciado como o mais radical de toda a história de seu emblemático partido.

Em primeiro lugar, o óbvio: se é possível imprimir moeda para ajudar as instituições financeiras encalacradas com suas próprias peripécias rentistas, por que não injetar dinheiro em grandes projetos de infraestrutura econômica e social? Seria o “Quantitative Easing (QE) para todos”, o qual produziria certamente resultados muito melhores (empregos, salários, crescimento econômico, ganhos de produtividade, entre outros) do que as versões de QE que se limitam a ajudar os bancos e fazer dos ricos mais ricos.

Além disso, observando a queda da qualidade dos serviços de utilidade pública desde que foram privatizados e os altos custos pagos pelos cidadãos britânicos, o programa do Labour defende com todas as letras a ampla reestatização das companhias de eletricidade, das empresas de saneamento, das redes de transporte público, dos correios e dos serviços médicos domiciliares (recentemente passados à empresas privadas).

Como se não bastasse, o time do Corbyn elenca ainda uma série de outras propostas interessantes: criar um banco estatal de investimentos para financiar projetos produtivos de longo prazo, utilizando recursos fiscais (exatamente como fazíamos aqui enquanto o país crescia); estabelecer uma meta ao Banco da Inglaterra (o BC deles) para que se garanta um ganho de produtividade da economia inglesa de ao menos 3% ao ano; adotar uma política industrial para o setor privado orientada pelas energias renováveis e pela criação de empregos de alta qualificação; estabelecer a obrigatoriedade das empresas distribuírem 10% de suas ações entre os seus empregados; fortalecer os mecanismos de contrato coletivo de trabalho e promover aumentos reais de salários.

Somando tudo e cientes de que, por outro lado, o mar não está para peixe e a tal indústria 4.0 deve alterar profundamente as economias centrais nos próximos anos, com séria redução do volume de empregos, os trabalhistas ingleses apostam que seu programa caminha no sentido da “renda básica universal”, um pouco diferente do formato usualmente conhecido – de transferência monetária às famílias.

Na versão turbinada dos Labours a ambiciosa dissociação entre renda e trabalho passaria principalmente pela maior oferta de bens e serviços públicos a todo o conjunto da população, de tal forma que a remuneração de cada indivíduo deixe de ser o fator determinante de sua condição de vida. Noutros termos, o que orienta as proposições do Partido Trabalhista é a relativa desmercantilização da vida da população, garantindo acesso gratuito à saúde, educação, transporte, habitação, entre outros e, consequentemente, ampliando a renda disponível no bolso de cada trabalhador, a qual poderia ser utilizada em consumo, lazer, viagens, cultura, etc. Ou seja, nada muito novo, nem original, mas extremamente ousado e inspirador no cenário de confusão e covardia que predominou nos partidos trabalhistas ao redor do mundo nas últimas décadas.

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