Há 46 anos, golpe com apoio dos EUA inaugurava ditadura de Pinochet
Há 46 anos, um sangrento golpe de Estado deflagrado por oficiais das Forças Armadas, com adesão do comandante-chefe do Exército, general Augusto Pinochet, derrubava o governo constitucional de Salvador Allende. O presidente, que se propunha a implantar pela via democrática o socialismo no Chile, resistiu ao ultimato dos militares para se render. Durante três horas, houve combate entre as forças legalistas e golpistas no palácio presidencial de La Moneda, bombardeado por aviões da Força Aérea e invadido pelo Exército. Ao final, Allende foi encontrado morto entre os escombros. Durante anos pairou a dúvida se ele havia sido morto em combate ou se havia se suicidado, num gesto de resistência para não se entregar aos golpistas. A Junta Militar que tomou o poder decretou estado de guerra. Iniciou-se então um regime de terror que duraria dezessete anos. Em 2011, 21 anos após o fim da ditadura no Chile, uma perícia confirmou que foi o próprio Allende quem deu cabo a sua vida.
O golpe teve o apoio militar e financeiro da CIA (agência central de inteligência dos Estados Unidos), de empresas multinacionais, de empresários locais e também de organizações neofascistas chilenas, como o grupo Patria y Libertad. Foi o desfecho de uma estratégia de desestabilização econômica e política organizada pelos norte-americanos, com ações da CIA, e por opositores internos de Allende. Na hora da derrubada de Allende, os golpistas contavam com o apoio de forças navais dos Estados Unidos estacionadas próximas da costa chilena, prontas para um desembarque caso houvesse forte resistência.
Nas horas seguintes ao golpe, milhares de pessoas foram presas e levadas para o Estádio Nacional, onde muitas foram assassinadas. Milhares de chilenos partiram para o exílio. A violência do golpe também alcançou centenas de brasileiros que haviam se asilado no Chile para escapar da ditadura no Brasil. Alguns foram presos, outros se abrigaram em embaixadas até a obtenção de salvo-conduto para outros países. Cinco brasileiros desapareceram e certamente foram mortos: Jane Vanini, Luiz Carlos Almeida, Nelson de Souza Kohl, Túlio Roberto Cardoso Quintiliano e Wânio José de Matos.
As liberdades e garantias constitucionais foram suprimidas, o Parlamento foi fechado e teve início uma perseguição implacável às pessoas ligadas ao governo deposto ou vinculadas a sindicatos e movimentos de esquerda. A tortura se institucionalizou e contou com apoio técnico de militares norte-americanos e das ditaduras vizinhas, como a do Brasil e, a partir de 1976, também a da Argentina.
Em 1974, Pinochet assumiu formalmente o cargo de Chefe Supremo da Nação e, quatro anos depois, em 1978, realizou um plebiscito de cartas marcadas para respaldar sua permanência no poder. Implantou um regime econômico liberal monetarista que levou o país a uma grave depressão no início dos anos 1980, dando início aos primeiros protestos contra seu governo.
Em setembro de 1986, Pinochet sofreria um atentado em que morreram cinco de seus guarda-costas e do qual escapou apenas com ferimentos leves. O episódio levou a uma brutal escalada repressiva, que culminou com a Operação Albânia, na qual foram assassinados doze opositores do regime chileno.
Em 1988, ao final do mandato de oito anos, como estabelecia a Constituição aprovada pelo próprio Pinochet em 1980, o general convocou novo plebiscito para tentar permanecer mais um período no poder, mas a campanha do “não” foi vitoriosa com 55,9% dos votos. No ano seguinte, elegeu-se o democrata cristão Patricio Aylwin, a quem Pinochet, muito enfraquecido, entregou o poder em março de 1990. A transição chilena, entretanto, manteve-o como chefe supremo das Forças Armadas e depois como senador vitalício, cargo que lhe dava imunidade e o livrava de responder a processos. A Lei da Anistia de 1978 também fez dele o primeiro beneficiário e impediu que seus colaboradores fossem punidos.
A Comissão Nacional da Verdade e da Conciliação, em relatório que entregou a Aylwin em 1991, e que depois foi atualizado em 1996, calculou que a ditadura fez 3.197 vítimas, incluindo 1.192 pessoas desaparecidas. Estima-se, entretanto, que o número de mortos e desaparecidos seja bem maior.
Em 1998, quando fazia tratamento de saúde na Inglaterra, Pinochet foi detido pela Scotland Yard. A prisão obedecia a um mandado de extradição da Espanha, expedido pelo juiz Baltasar Garzón, para ser julgado por genocídio, terrorismo e abuso dos direitos humanos. O governo britânico, entretanto, negou sua extradição, declarando-o mentalmente incapacitado para enfrentar um julgamento. O general regressou ao Chile em 2000 e, por ter se declarado incapaz, teve que renunciar ao mandato de senador vitalício. Em 2004, foi acusado de manter contas secretas no exterior com saldos de 28 milhões de dólares de origem ilícita.
Augusto Pinochet morreu em 2006 de infarto e edema pulmonar sem ter sido levado ao banco dos réus. Logo que sua morte foi anunciada, houve manifestações de apoio e contra o general na frente do hospital. As Forças Armadas o homenagearam.
Documentos históricos
Durante os dezessete anos em que ficou no poder, a ditadura de Pinochet foi alvo de críticas e protestos no Brasil e no mundo. O Centro Sérgio Buarque de Holanda de Documentação e História Política tem em seu acervo fotos e cartazes de manifestações internacionais de apoio à democracia no Chile.
Confira alguns dos materiais disponíveis no acervo:
Cartaz “Vigilia a memória de Salvador Allende: presidente mártir da democracia latinoamericana” – Catedral Metropolitana (Campinas (SP), 05-09-1990).
Foto: Ato público pela luta contra ditadura no Chile e Uruguai (Zurique-Suiça, 21 set. 1975). / Crédito: Autoria desconhecida/The Associated Press
Foto: Repressão policial à manifestação em protesto ao governo Pinochet (Santiago-Chile, 11 set. 1993). / Crédito: Alberto Meneses/Reuters.
Foto: Pinochet e presidente uruguaio em desfile militar Comemorativo da Independência do Chile (Santiago-Chile, 19 set. 1975). / Crédito: Autoria desconhecida/The Associated Press.
Cartaz pelo Fim aos Conselhos de Guerra no Chile (Brasil, Data desconhecida).
Este texto é um trabalho do Memorial da Democracia, o museu virtual das lutas democráticas do povo brasileiro, mantido pela Fundação Perseu Abramo e pelo Instituto Lula.