Estado reconhece assassinato de Zuzu e Stuart Angel
Quase meio século depois dos assassinatos do estudantes Stuart Angel Jones e de sua mãe, a estilista Zuzu Angel, o Estado brasileiro reconheceu nas certidões de óbito que ambos foram mortos pela ditadura militar. Os documentos foram entregues na sexta-feira (6) à jornalista e colunista social Hildegard Angel – filha de Zuzu e irmã de Stuart, conforme informação do Brasil de Fato.
As novas certidões atestam que ambos foram vítimas de “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada a população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.
O assassinato de ambos não é novidade, mas cada reconhecimento em certidão de óbito é uma vitória. Mais de 400 brasileiros foram assassinados pelo regime militar. Em muitos casos, as famílias não tiveram o direito de enterrar seus mortos, já que a ditadura se negou a informar o paradeiro de muitos corpos, como é o caso de Stuart Angel Jones.
Uma família, três assassinatos
A estilista Zuzu Angel, que deu repercussão internacional ao “desaparecimento” de seu filho Stuart Edgar Angel Jones, morre num acidente automobilístico na saída do túnel Dois Irmãos, na autoestrada Lagoa-Barra, no Rio. De acordo com a versão oficial, ela teria dormido ao volante de seu Karmann Ghia. A estilista havia deixado uma declaração, escrita um ano antes, na qual alertava: “Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”.
A Embaixada dos Estados Unidos no Brasil considerou o acidente suspeito, conforme documento revelado pelo Wikileaks, em 2013. Investigações posteriores à redemocratização deixaram claro que se tratou de um atentado. O carro que ela dirigia foi abalroado por dois outros veículos.
Zuleika “Zuzu” Angel era uma estilista famosa desde os anos 1960 por suas criações com motivos brasileiros, que também faziam sucesso nos Estados Unidos. Foi casada com o norte-americano Norman Angel Jones. Tiveram dois filhos: Hildegard, que viria a se tornar uma influente jornalista no Rio, e Stuart Edgar, estudante de economia que militou no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).
Preso em 14 de abril de 1971, Stuart Angel Jones foi torturado até a morte por agentes do Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa) na Base Aérea do Galeão. Os agentes queriam que ele informasse o paradeiro do ex-capitão Carlos Lamarca, que na época estava em contato com o MR-8. Stuart, que tinha um encontro marcado com Lamarca, nada revelou. De acordo com relato do militante Alex Polari de Alverga, que também estava preso no Galeão, o estudante foi amarrado a um jipe militar e arrastado pela pista de pouso. Quando o jipe parava, os agentes levavam a boca do rapaz ao cano de descarga e o forçavam a respirar os gases do escapamento. Numa carta que chegou às mãos de Zuzu Angel no Dia das Mães, Polari contava que o filho agonizou abandonado na pista, pedindo água. Apesar do relato, a ditadura não admitiu publicamente a morte do militante e manteve a fotografia de Stuart Angel Jones nos cartazes de “terroristas procurados”.
As primeiras versões para o desaparecimento do corpo indicavam que teria sido lançado ao mar do alto de um helicóptero. Em 2014, um ex-agente da repressão disse à Comissão Nacional da Verdade que ele estaria enterrado numa das cabeceiras da pista de pouso do Galeão. Dois anos depois do desaparecimento de Stuart, a mulher dele, Sônia Maria de Moraes Angel Jones, também foi presa, torturada até a morte e dada como “desaparecida”.
Inconformada com o silêncio da ditadura sobre a morte do filho e da nora, Zuzu Angel iniciou uma corajosa campanha de denúncia dentro e fora do país. Como Stuart herdara do pai a cidadania norte-americana, Zuzu entregou um dossiê ao secretário de Estado Henry Kissinger, que visitou o Brasil em 1976. Também escreveu ao senador democrata Edward Kennedy, que denunciou o caso no Congresso dos Estados Unidos. Em Nova York, a estilista promoveu um desfile de roupas estampadas com anjos feridos e pássaros engaiolados. Atrizes de Hollywood como Liza Minnelli, Joan Crawford e Kim Novak ajudaram a divulgar as denúncias.
Um ano após sua morte, Chico Buarque de Hollanda homenageou Zuzu Angel na letra de “Angélica”, com música de Miltinho do MPB4: “Quem é essa mulher/Que canta sempre esse estribilho?/Só queria embalar meu filho/Que mora na escuridão do mar”.
O Centro Sérgio Buarque de Holanda guarda em seu acervo imagens de homenagens póstumas aos mortos na ditadura. Sônia Maria de Moraes Angel Jones foi uma das desaparecidas escolhidas como nome de rua no bairro do Jardim da Toca, em São Paulo. Um retrato do jovem Stuart Angel também faz parte da coleção do CSBH de imagens de presos, exilados e desaparecidos durante a ditadura militar.
Este texto é um trabalho do Memorial da Democracia, o museu virtual do Instituto Lula e da Fundação Perseu Abramo.