Distopia econômica
O governo brasileiro se esforça em tentar justificar a necessidade de proceder a gravíssimas alterações em direitos trabalhistas, previdenciários, regime de FGTS, para reduzir ônus de empresas privadas e máquina estatal, o que, em tese, facilitaria crescimento econômico, sem se preocupar com o custo social da depauperação de condições laborais para milhões de famílias brasileiras. Mas peca em suas metodologias de pensamento e ação, de maneira grosseira, pelo menos, sob duas perspectivas: primeiro, ao não compreender a regra básica dos sistemas econômicos minimamente decentes de que um crescimento da economia desacompanhado de melhoria social não resulta em desenvolvimento econômico, portanto, não serve à maioria do povo, nem sequer serve ao Estado, apenas aos privilegiados que compõem o topo da pirâmide da acumulação nacional de riquezas, os banqueiros; segundo, porque crê que conseguirá resolver os problemas econômicos nacionais apenas com medidas internas, desarticuladamente de boas ações internacionais.
Os jornais desta sexta-feira (16) reportam que o ministro da economia brasileiro, insatisfeito com os resultados das primárias presidenciais da Argentina, teria questionado: desde quando o Brasil precisa do país vizinho para crescer? No início da semana, o próprio chefe do Executivo já havia proferido disparate neste mesmo sentido, doravante direcionando outro não menos desaforado recado para a chanceler alemã, Angela Merkel. O mal feito não se esgota aqui e ali, o governo vem colecionando atritos internacionais, desde o início do mandato, com a China, Rússia, países árabes e Irã, israelenses insatisfeitos com o “perdão do presidente ao nazismo”, Alemanha, França, Noruega, Venezuela, Cuba, meteu os pés pelas mãos no Paraguai, agora, possivelmente, na Argentina, desgastou-se até na ONU.
Em resumo, a pretexto da geração de um questionável, nem sequer garantido, crescimento econômico, o governo quer impor duras condições sociais ao povo, mas não contribui com uma mínima contrapartida diplomática proativa, que permita estruturar alicerces internacionais geradores de boas parcerias de mercado e política. Na situação concreta, tirar de um lado sem ter responsabilidade em acrescentar do outro é atentar deliberadamente contra a nação brasileira, porque não trará qualquer efeito positivo de significativo alcance para realidade econômica nacional, mas fará minguar, ainda mais, os parcos benefícios sociais do povo. Quisera o bloco político de apoio do governo desse encaminhamento ao prudente conselho do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, pondo uma mordaça no presidente da República (e em vários de seus assessores), porque não há país que sobreviva a um raciocínio econômico tão distópico.
Marcelo Uchôa é advogado e professor de Direito. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) – Núcleo Ceará.