O documentário disponível na Netflix é impactante e até um pouco assustador para aqueles que estão preocupados com os rumos que o mundo atual tem tomado. As polarizações sociais, os debates culturais não estão ocorrendo por acaso nem por ação do comportamento dos usuários de redes sociais. Esse caos que pouco a pouco vem se instalando e que fez o Brasil eleger um representante do que há de pior na política nacional é, na verdade, fabricado. Essa é a mensagem do filme que denuncia o quanto é perigosa a coleta de dados pessoais de usuários de sistemas conectados: “Nossos rastros digitais estão sendo extraídos para uma indústria de trilhões de dólares por ano”. O longa também investiga o papel da “falecida” Cambridge Analytica nas eleições presidenciais de 2016 dos Estados Unidos e, para isso, passa pelo plebiscito no Reino Unido que acabou aprovando o Brexit.

A questão principal é que plataformas como Facebook, Google e outras estão obtendo todo tipo de dados dos seus usuários e, depois, vendem essas informações para quem quiser comprar. Ou seja, o Facebook, que é apontado como a melhor plataforma para realizar experimentos com os usuários tem altíssimo valor porque monetiza os dados dos seus usuários. Uma jornalista do inglês The Guardian que investiga o uso desses dados para influenciar a sociedade a aprovar o Brexit diz que nossas informações estão sendo usadas contra nós mesmos de formas que nós não podemos entender.

O Brexit é apontado como um laboratório da Cambridge Analytica e que o auge do trabalho da empresa foi a eleição de Donald Trump. O filme mostra que segundo o antigo CEO da Cambridge, utilizando dados extraídos de uma pesquisa feita através do Facebook com centenas de milhares de estadunidenses, eles passaram a ter cinco mil pontos de medição da personalidade de cada eleitor do país. Dessa forma, era possível medir com precisão qual seria o comportamento dos eleitores e com quais informações eles precisavam bombardear cada eleitor.

O documentário conta que a Cambridge Analytica tem origem na empresa SCL Defence que treinava exércitos de diferentes países para “atos de guerra fora da guerra”, ou seja, para a chamada “guerra psicológica”. Basicamente, através de fakenews a empresa espalha medo e ódio em uma sociedade e obtém o resultado eleitoral que deseja. Um exemplo assustador é o trabalho realizado em Trinidad e Tobago. Jovens afro-caribenhos foram incentivados por uma campanha a participar de um movimento de “resistência” contra os políticos. O objetivo era boicotar as eleições. A empresa sabia exatamente como precisava apresentar esse movimento para engajar o seu público alvo. O resultado foi a eleição de Kamla Persad-Bissessa, candidata pelo partido United National Congress que representa os indianos, grupo étnico que votou em peso e para o qual a Cambridge trabalhava.

Um dos fundadores da Cambridge fala sobre a filosofia de Steve Bannon que era vice-presidente da empresa. Bannon acredita que para mudar fundamentalmente uma sociedade, primeiro é preciso destruí-la. Somente depois de destruí-la você pode remodelar os pedaços segundo sua visão de uma nova sociedade. O documentário mostra um portfólio da Cambridge que se apresenta como uma empresa de mudança de comportamento. Se pararmos para pensar na eleição brasileira, no apoio de Bannon a Bolsonaro e na forma como fakenews estão sendo utilizadas há cinco anos para criminalizar a esquerda, podemos considerar que o Brasil é um dos alvos dessa máquina de propaganda. Vale dedicar duas horas para assistir este filme.

Privacidade hackeada é um documentário necessário