Uso político da seleção atingiu auge durante ditadura
A mistura de política e futebol é uma velha conhecida no continente. A Copa de 1978 na Argentina talvez tenha sido uma das maiores expressões do uso político do esporte. Cercada de suspeitas de corrupção dentro e fora do campo, a Copa foi marcada pela imagem do general-presidente Jorge Rafael Videla feliz em campo entregando a taça e tirando fotos com os jogadores. Em 2010, Videla seria condenado por crimes contra a humanidade, destituído de sua patente militar por mortes provocadas após seu golpe de Estado. Ele morreu na prisão em 2013.
No Brasil, o momento mais simbólico foi o tricampeonato, conquistado em 1970, no México. A ditadura capitalizou o título com campanhas ufanistas que renderam slogans e músicas até hoje conhecidas.
O tricampeonato mundial de futebol no México veio com um time que ainda hoje é considerado o melhor de todas as Copas – Pelé, Rivelino, Tostão, Gerson e Jairzinho. O governo Médici aproveita o clima de euforia nacional para massificar campanhas publicitárias ufanistas, utilizando músicas, artistas, slogans, anúncios e filmes.
Muitas emissoras de TV somaram-se à estratégia oficial. A mensagem central era a da união nacional em torno do governo, sem divergências ou contestações. A ótima marchinha de Miguel Gustavo converteu-se no hino semioficial da Seleção: “Noventa milhões em ação / Pra frente, Brasil, do meu coração (…) De repente é aquela corrente pra frente / Parece que todo o Brasil deu a mão (…) Todos juntos, vamos, pra frente, Brasil”.
Médici tentou usar a Copa para se apresentar como um torcedor comum (seu time era o Grêmio de Porto Alegre). Antes do campeonato no México, quis escalar como titular da equipe brasileira o centroavante Dario, um jogador muito popular, mas o técnico João Saldanha rejeitou: “Eu não escalo ministros, por que ele vai escalar jogadores?” Saldanha, que era ligado ao PCB, foi substituído por Zagalo. Dario foi convocado, mas não entrou em campo.
Logo em seguida à Copa, a ditadura adotaria como sua uma canção de Dom, da dupla Dom e Ravel – “Eu te Amo, Meu Brasil” –, que era tocada incessantemente no rádio: “A mão de Deus abençoou / Eu vou ficar aqui, porque existe amor / Eu te amo, meu Brasil, eu te amo / Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil / Ninguém segura a juventude do Brasil”.
O programa “oficial” da ditadura na TV era “Amaral Neto, o Repórter”, exibido pela Rede Globo de Televisão. Criada em 1965, francamente favorável ao governo, a Globo tornou-se hegemônica no período Médici. Amaral Neto percorria o país exaltando as riquezas naturais e as obras do “Brasil Potência”. Na TV Tupi, a apologia do regime era feita nos programas do apresentador Flávio Cavalcanti, último reduto de audiência da emissora, em franca decadência.
Pouco criativos, os publicitários do governo copiaram slogans nacionalistas e xenófobos de outros países. “Ninguém segura mais este país” era adaptação de “Nadie detiene España”, utilizado pelo ditador espanhol Francisco Franco. “Brasil, ame-o ou deixei-o” era cópia de “America, love it or leave it”, slogan dos defensores da guerra dos Estados Unidos contra o Vietnã.
A onda ufanista chegaria ao auge em 1972, quando a ditadura patrocinou o traslado de Portugal para o Brasil dos restos mortais do imperador Pedro 1°, durante as comemorações dos 150 anos da Proclamação da Independência – que a propaganda oficial teimava em chamar de “sesquicentenário”. Convocado a fazer a marcha dos festejos, Miguel Gustavo rimou a inusitada palavra com a expressão “marco extraordinário”.
Este texto é um trablaho do Memorial da Democracia, o museu virtual do Instituto Lula e da Fundação Perseu Abramo dedicado às lutas democráticas do povo brasileiro.