Em cartaz nos cinemas, Deslembro apresenta as marcas da ditadura deixadas em uma adolescente exilada que pouco se identifica com seu país. Entre memórias embaralhadas, a anistia e o retorno ao Brasil, o filme mistura poesia e música, francês, espanhol e português para contar a história de Joana e sua família exilada na França durante a década de 1970.

Sem querer abandonar Paris para morar no Rio de Janeiro, ela se despede da vida que vivia para retornar à terra da qual pouco se lembrava e que estava associada ao desaparecimento de seu pai, militante levado para as salas do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Retornando ao Rio e em contato com sua avó paterna, uma onda de lembranças de seus pais no período da ditadura ressurge e a protagonista tenta assimilar essas memórias para entender o que significava ser um preso político.

Ainda que pouco, Deslembro aborda a questão das ditaduras na América Latina, com o padrasto de Joana, militante chileno exilado que, ao retornar ao Brasil, busca atuar mais ativamente, fica ausente e volta ao Chile com intuito de lutar contra a ditadura.

Trazendo assim um dos elementos da dignidade humana, a historicidade, ou seja, a necessidade de se preservar não somente a pessoa, mas a sua memória, o filme termina por criticar a atualidade marcada por discursos violentos, em que figuras como o torturador Ustra são exaltadas e certos grupos acreditam não ter havido ditadura no Brasil.

Nesse sentido, o filme nos desperta para que nunca sejam esquecidos presos e presas políticas durante a ditadura, desaparecidos e desaparecidas, torturados e as torturadas, pois um dos direitos humanos é a memória. Esta precisa ser preservada e nunca esquecida.

O filme termina com um poema de Fernando Pessoa:

Deslembro incertamente. Meu passado
Não sei quem o viveu. Se eu mesmo fui,
Está confusamente deslembrado
E logo em mim enclausurado flui.
Não sei quem fui nem sou. Ignoro tudo.
Só há de meu o que me vê agora —
O campo verde, natural e mudo
Que um vento que não vejo vago aflora.
Sou tão parado em mim que nem o sinto.
Vejo, e onde [o] vale se ergue para a encosta
Vai meu olhar seguindo o meu instinto
Como quem olha a mesa que está posta.

Ficha técnica:

Deslembro
Direção: Flávia Castro
Ano: 2018
Prêmios: Melhor Filme pelo Júri popular e pela critica no Festival do Rio (2018); premido pelo Sindicato Frances dos Críticos de Cinema no Festival de Biarritz América Latina (2018)