No dia 27 de maio de 1979 retornava ao Brasil o líder sindical José Ibrahim. Onze anos antes, em abril de 1968, ele liderou a última greve antes da promulgação do AI-5, que criminalizou e perseguiu a luta trabalhista. A greve de Osasco, como ficou conhecida, começou às 9h da manhã do dia 16 de abril, com um toque de sirene na Cobrasma, metalúrgica com 3 mil trabalhadores em Osasco, na Grande São Paulo, anunciando a ocupação da fábrica. Era o início de uma greve em que tropas do Exército entrariam em confronto direto com os trabalhadores. Os grevistas exigiam 35% de aumento salarial, contrato coletivo de dois anos e reajustes salariais trimestrais. José Ibrahim então tinha apenas 20 anos e já presidia o Sindicato dos Metalúrgicos.

A paralisação durou três dias e atingiu 6 das 11 principais fábricas da região. Embora tenham resistido ao cerco das tropas do Exército durante todo o dia, os operários da Cobrasma acabaram sendo desalojados na madrugada. Mais de 400 foram presos. A greve terminou sem que nenhuma das reivindicações fosse atendida. O sindicato foi invadido e posto sob intervenção.

Foi a última grande greve de trabalhadores de 1968. Somente dez anos depois, em 1978, com a paralisação da Scania, em São Bernardo do Campo (SP), o movimento operário voltaria a realizar mobilizações expressivas.

Após da greve, José Ibrahim teve seus direitos políticos cassados. Ele militou na resistência armada, integrando a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Em 1969 foi preso e torturado no DOI-Codi, em São Paulo. Em setembro do mesmo ano, foi um dos 15 presos políticos libertados em troca do embaixador americano  Charles Elbrick, sequestrado no Brasil. Ibrahim passou então os 10 anos seguintes morando fora do país.

Anistia
A campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita, que teve seus momentos mais intensos em 1978 e 1979, foi um dos momentos mais significativos da luta pela democracia e contra a ditadura, fruto de uma frente política e social que mobilizou o conjunto dos movimentos sociais e dos setores da oposição. Por seu caráter humanitário e político, sensibilizou amplamente a população e teve repercussão internacional. Mesmo sem ter alcançado totalmente seus objetivos, a votação da Lei da Anistia, em agosto de 1979, representou uma grande vitória das forças democráticas sobre o regime.

A luta pelo perdão começou tão logo os militares anunciaram as primeiras perseguições aos adversários do golpe – uma lista com uma centena de cidadãos que tinham os direitos políticos cassados por 10 anos, a partir de 9 de abril de 1964. Outras listas de cassações se seguiriam, além de prisões, com ou sem processo, e demissões arbitrárias de servidores civis e militares. Poucos meses depois do golpe, os jornalistas Alceu de Amoroso Lima e Carlos Heitor Cony escreveriam artigos a favor da anistia, uma tradição política que vinha dos tempos do Brasil colonial.

Em 1967, a Frente Ampla – movimento criado pelos ex-presidentes João Goulart e Juscelino Kubitscheck e pelo ex-governador Carlos Lacerda, todos cassados –  defendeu uma “anistia geral” como passo necessário à redemocratização do país. Também os familiares de presos políticos levantaram desde cedo essa bandeira. Em 1968 foi criada a União Brasileira de Mães, posta na ilegalidade em 1969. Em junho de 1971, o grupo dos autênticos do MDB – parlamentares mais combativos na luta contra a ditadura – havia incluído a defesa da anistia aos perseguidos políticos na “Carta de Recife”, aprovada pelo partido.

Num período em que os jornais estavam sob censura (quando não colaboravam ativamente com o regime e a repressão), as denúncias de violação dos direitos humanos pela ditadura tinham mais repercussão no exterior do que dentro do país. Para isso contribuiu a articulação de grupos de exilados, que publicavam boletins e jornais em outros países, e ação corajosa de líderes da igreja católica, dentre os quais se destacou o arcebispo de Olinda e Recife, dom Helder Câmara. Em maio de 1970, ele denunciou a prática de torturas no Brasil para uma plateia de 10 mil pessoas.

A ditadura tratava essas denúncias como “campanha para denegrir a imagem do Brasil no exterior”. A simples menção ao nome de dom Helder foi proibida nos jornais brasileiros. Mas a causa da anistia e da investigação do “desaparecimento” de presos políticos avançava, na medida em que  tortura e assassinato se tornavam instrumentos oficiais da repressão política.

Em setembro de 1973, no famoso discurso de lançamento como anticandidato à Presidência da República, o líder oposicionista Ulysses Guimarães defendeu o “resgate da enorme injustiça que vitimou, sem defesa, tantos brasileiros paladinos do bem público e da causa democrática”. “Essa Justiça”, afirmou o presidente do MDB, “é pacto de honra de nosso partido e seu nome é anistia”. No Natal de 1974, dom Paulo Evaristo Arns reuniu militantes de diferentes linhas políticas e sugeriu a organização de uma campanha em defesa da anistia.

Após seu retorno, José Ibrahim foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Força Sindical. Em 1986 saiu do PT e se filiou ao PV. Faleceu em 2013. Nos últimos anos atuava na União Geral dos Trabalhadores, que também ajudou a fundar.

O Centro Sérgio Buarque de Holanda possui em seu acervo imagens do retorno de José Ibrahim e de sua recepção no Brasil. Para saber mais sobre a história da Campanha pela Anistia no Brasil, acesse o Memorial da Democracia, o museu virtual da Fundação Perseu Abramo e do Instituto Lula dedicado às lutas democráticas no país.