Pesquisa aponta trajetórias da informalidade no Brasil
O projeto Reconexão Periferias da Fundação Perseu Abramo acaba de publicar resultados da pesquisa “Trajetórias da Informalidade no Brasil Contemporâneo”, realizada no segundo semestre de 2018 em oito estados das cinco regiões do Brasil.
Foram entrevistados trabalhadores e trabalhadoras informais da construção civil, confecção, motoboy/mototáxi, comércio ambulante, manicure e trabalhadoras domésticas. Através de entrevistas qualitativas, revisitou-se a trajetória laboral desses trabalhadores/as, com ênfase nos últimos 16 anos (desde a primeira eleição presidencial de Lula/PT).
A pesquisa buscar explorar o universo contemporâneo sobre o mundo do trabalho no Brasil, oferecendo ao debate público e a pesquisadores algumas questões que virão a compor uma agenda de pesquisa sobre informalidade no trabalho no Brasil.
O estudo parte da questão central “quem são, como vivem e o que pensam os trabalhadores e trabalhadoras informais das periferias do Brasil?
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Analisando as entrevistas, é possível inferir que, para além dos números amplamente divulgados pela imprensa, a trajetória de vida dos trabalhadores informais é pouco conhecida. E que ela se dá pelo trânsito entre formalidade, informalidade e empreendimentos familiares, muitas vezes ocorrendo a combinação simultânea pelo mesmo trabalhador entre seu trabalho formal, informal e outras atividades remuneradas, fazendo o que for necessário em busca da sobrevivência.
“A instabilidade permanente vira uma forma de vida para esses trabalhadores que estão na informalidade”, comenta a supervisora da pesquisa Ludmila Costhek Abílio, que é doutora em Ciências Sociais.
Carteira assinada
No universo pesquisado, é complexo o que pode significar possuir uma carteira de trabalho assinada, abandonando a condição de informalidade. “Não é que eles não querem ter carteira assinada. É que eles sabem que na condição deles, com a qualificação que eles têm, o trabalho que vão conseguir é para ganhar menos e talvez trabalhar mais e serem mais explorados”, comenta Ludmila.
“Claro que esse trabalhador ou essa trabalhadora não está pondo na ponta do lápis a aposentadoria, férias, FGTS. São formas de aprofundamento da exploração, e não de liberdade. Não se tem uma poupança de médio e longo prazo. Não há rede de proteção”, lembra a supervisora da pesquisa.
A pesquisa aponta também que essa falta de perspectivas de formalização se agravou em alguns casos com a possibilidade de aprovação de uma Reforma da Previdência que pode tornar a aposentadoria um objetivo praticamente inalcançável para a população mais pobre.
Informalidade e Empreendedorismo
Os resultados da pesquisa mostram que a vida real dos trabalhadores informais das categorias analisadas, muitas vezes tratados como empreendedores, é muito diferente das trajetórias de sucesso amplamente divulgadas como símbolos do empreendedorismo.
“Essas pessoas fazem inúmeras coisas ao mesmo tempo e podem mudar tudo no dia seguinte. Isso que estão chamando de ‘empreendedorismo’ nada mais é que uma gestão para garantir a sobrevivência. Se a pessoa que está na informalidade não fizer isso, ela morre”, completa Ludmila.
Léa Marques, cientista social e consultora do projeto Reconexão Periferias aponta que “um dos pontos centrais que a pesquisa revela é que sob o discurso do novo empreendedorismo individual o que se verifica é o antigo padrão de trabalho informal, com jornadas de trabalho longuíssimas, de mais de 10h por dia, péssimas condições de trabalho, especialmente quanto à saúde e riscos de vida a que esses trabalhadores se expõem, e sem nenhum direito trabalhista”.
Tecnologia e associativismo
A pesquisa identificou ainda alguns dos impactos das novas tecnologias nas relações entre trabalhadores informais e o mundo do trabalho, como o surgimento de novas formas de associativismo em alguns desses setores e o aprofundamento da solidão em outros.
Léa aponta que as novas tecnologias “no início parecem muito atrativas, como para as manicures, por exemplo, pela possibilidade de ampliar sua clientela, mas estudando a realidade cotidiana dos motoboys, que já estão há mais tempo sofrendo esses impactos, concluímos que as condições de trabalho com os aplicativos pioraram, incentivando inclusive a disputa entre os próprios motoboys por corridas”.
Contudo, esse cenário também trouxe mudanças nas formas de cooperação e organização entre os trabalhadores de cada um dos segmentos. Ludmila detectou que “os motoboys, por exemplo, estão se organizando a partir de demandas específicas. No facebook eles criam uma comunidade, porque um deles conhece alguém do poder público local e fecha uma negociação”.
As redes sociais também são utilizadas como ferramentas para compartilhar o cotidiano do trabalho que realizam e, em algumas categorias, como espaço para atrair novos clientes, o que faz com que opiniões políticas que possam ser consideradas polêmicas não sejam expostas nos perfis pessoais desses trabalhadores.
Chamou a atenção o caso das trabalhadoras domésticas, que têm o espaço do transporte público – trens, metrôs e ônibus – como os principais locais de socialização e politização, pois os deslocamentos entre casa e trabalho são oportunidades de conversa e trocas entre demais domésticas, em contraposição ao trabalho solitário que realizam na maior parte do dia.
Periferias
Os trabalhadores e trabalhadoras entrevistados tinham em comum o fato de morarem nas periferias de suas cidades, situação reflexo da maioria dos informais. Sobre esse aspecto, Léa destaca que “são os moradores das periferias os sujeitos protagonistas dessa forma de trabalho em que tem que se virar pra sobreviver, a sua própria sorte ou azar.”