O musical Roda Viva, em cartaz no Teatro Oficina até o próximo dia 30 de junho, faz uma crítica contundente ao autoritarismo, à indústria cultural e à manipulação midiática, que transitam nos cenários da arte e da política desde primórdios. Escrita e encenada em 1968, em pleno regime militar, foi a primeira peça de Chico Buarque. Na ocasião, o texto ácido provocou a invasão do teatro pela polícia e resultou na prisão do elenco.

A história trata da carreira de um cantor medíocre, Benedito Silva, vivido por Roderick Himeros, transformado em ídolo com a ajuda de seu anjo da guarda (Guilherme Calzavara), que na verdade é um empresário interessado em lucro, e do capeta (Joana Medeiros). Depois que o personagem fica famoso com o nome artístico de Ben Silver, em evidente alusão ao complexo de vira-latas muito presente na sociedade brasileira dos anos 1960 e ressuscitado recentemente pelo governo Bolsonaro, ele é engolido pela indústria cultural.

Embora tenha duração de quatro horas, o espetáculo não pesa, tem muito senso de humor e é repleto de músicas que pertencem à memória brasileira. O texto nunca esteve tão atual. O grande elenco conta com atores, cantores, músicos e dançarinos. Na adaptação de José Celso, a crítica que inicialmente era focada apenas na televisão aborda também o papel da internet, das redes sociais e em particular do whats app.

O “mito” Bolsonaro e a sucessão de gafes ocorridas no atual governo integram os diálogos, em um texto que parece ser adaptado diariamente para dar conta de tantas cretinices. Sertanejos, youtubers, a Xuxa, o ministro Sérgio Moro e os vários programas com celebridades exibidos na tevê são massacrados em uma interpretação que desconstrói os mitos e denuncia a manipulação do público conforme a conveniência da mídia comercial e dos grandes empresários da cultura e da política.

Roda Viva é uma oportunidade de ver uma das principais e mais talentosas personalidades do teatro brasileiro em plena forma. O estilo inconfundível de José Celso está presente em inúmeras cenas de interação com o público, com irreverência marcante. A chance de ele estar presente acompanhando a apresentação é muito grande. O próprio espaço do Teatro Oficina, projeto de Lina Bo Bardi inaugurado em 1958 e ameaçado atualmente pela especulação imobiliária e por um grande empresário da mídia comercial, dá o tom de resistência do espetáculo. Vale muito a pena assistir de novo ou pela primeira vez.

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