O documentário Histórias que nosso cinema (não) contava trata do Brasil sob a ditadura militar. Não existe um narrador para essa história, ela é contada apenas com a junção de cenas de diversos filmes da época. O olhar para o passado é fundamental para que se saiba qual é o caminho que a sociedade vem tomando na atualidade.

Esse longa-metragem mostra que o presente é bem parecido com o que já aconteceu. As cenas apresentam boa parte do que eram a mentalidade e os valores da sociedade brasileira. O espírito de vira-lata com relação aos EUA está presente logo no início. Um estadunidense que pretende implementar uma nova religião no Brasil afirma que para ter controle sobre os operários, basta ter a classe média nas mãos. Cheio de ironia, como as pornochanchadas, o documentário faz uma viagem no tempo.

Em alguns momentos as falas se complementam, mas, no geral, o enredo vai sendo construído abordando temáticas diferentes. Primeiro, como já mencionado, aparece a política e uma pequena contextualização da época. Na sequência, o documentário aborda a questão social. Os corpos negros eram sexualizados de forma acintosa.

As empregadas domésticas, sempre negras, eram objeto do desejo de patrões e seus filhos. Por outro lado, as mulheres ricas aparecem assediando empregados homens. Em uma das cenas, a personagem rica diz ao funcionário: “empregado não tem sexo”. A fala é significativa. Demonstra como a relação entre patrão e empregado sempre foi cruel no Brasil.

Em outra cena, um casal de empregados domésticos faz sexo na cama dos patrões que entram no quarto. A dona da casa pergunta ao marido se aquilo é socialismo. O diálogo pitoresco se assemelha bastante com o pensamento da elite bolsonarista da atualidade.

O filme faz uma seleção de cenas para contar a luta armada contra a ditadura militar, e existem trechos emblemáticos e que também remetem ao que ocorre hoje. Um homem engravatado aparece exigindo que um policial resolva algum caso e este responde que não pode prender um homem sem provas. O engravatado termina a cena dizendo, “encontre as provas, você é pago pra isso”.

O filme é antigo, mas continua servindo bem para o que ocorre atualmente com o judiciário brasileiro. A sequência é interessante, trata do papel da imprensa no Brasil. São três cenas que sintetizam o que acontece no Brasil. Os diálogos de três filmes diferentes dizem: “não saiu nada nos jornais”, “nem as rádios nem os jornais divulgarão nada à respeito. É um pedido da polícia para maior segurança” e “a falta de ética que existe no país há muito atingiu os jornais”.

O documentário mostra a introdução da TV a cores na sociedade brasileira e como a publicidade foi alavancada com a chegada desse meio de comunicação. Ao mesmo tempo, a mercantilização do corpo da mulher aumentou gigantescamente. A sensualidade é o que vende marcas. A pauta de costumes e a sexualidade também são abordadas pelo filme que parece criticar a hipocrisia da elite e da classe média.

No final, aparece a luta de classes e a abertura política, a luta por direitos em uma casa de prostituição. Como o movimento de trabalhadores sofria opressão da polícia. O documentário apresenta um recorte interessante do Brasil de uma forma inesperada. Disponível na Netflix.

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