Na última segunda-feira, 29 de abril, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) esteve em Ribeirão Preto (interior de SP) para abertura do Agrishow, um dos mais importantes eventos do agronegócio do país. Ovacionado aos gritos de “mito” por uma plateia de fazendeiros, Bolsonaro prometeu encaminhar ao Congresso um projeto de lei que isenta de punição o produtor que atirar contra invasores de terras.

Nas palavras do presidente – para ninguém achar que entendeu errado: “Vai dar o que falar, mas é uma maneira que nós temos de ajudar a combater a violência no campo é fazer com que, ao defender a sua propriedade privada ou a sua vida, o cidadão de bem entre no excludente de ilicitude. Ou seja, ele responde, mas não tem punição. É a forma que nós temos que proceder. Para que o outro lado, que desrespeita a lei, tema vocês, tema o cidadão de bem, e não o contrário”.

Em janeiro de 2019, uma das primeiras medidas do presidente foi – já em contramão do Estatuto de Desarmamento de 2003 – flexibilizar a posse de arma para residentes em área rural. A fala de ontem também trouxe a perspectiva de liberar, além da posse, o porte de armas para esse público. Ou seja, além de poder ter a arma em casa, o cidadão também terá a permissão para circular com ela em ambientes públicos.

A medida é vista por especialistas como um risco para o aumento da tensão no conflito de terras e um possível estímulo para fazendeiros matarem. O governo Bolsonaro, assim, indica mais uma vez que, na guerra armada que busca incentivar no país, o Estado terá seu lado declarado. O anteprojeto do ministro Sérgio Moro já prevê excludente de ilicitude para policiais. Ou seja, policiais que atirarem e matarem sob “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” poderão ter a pena anulada. Agora, medida parecida pode ser aplicada a fazendeiros que matarem, caso julguem que possuem suas terras ‘invadidas’.

A medida não é pouca coisa, particularmente em um país que apresenta taxas altas de assassinatos no campo. Em 2017, das 71 mortes, 22% eram lideranças. Em 2018, dos 24 assassinatos, 54% eram de líderes de movimentos, segundo a Comissão Pastoral da Terra. E num país com alta concentração de terras: menos de 1% dos proprietários agrícolas possui 45% da área rural do país, segundo estudo da Oxfam de 2016.

Importante destacar que, segundo o mesmo estudo – que levou em conta o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2006, o sistema de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, entre outros – são os pequenos proprietários que respondem por mais de 70% da produção de alimentos do Brasil. Estas pequenas propriedades não são objeto de disputa de movimentos pela Reforma Agrária, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) – que aliás são os maiores produtores de alimentos orgânicos do país e a quem esse governo gosta de taxar como “inimigos a serem exterminado”.

Os movimentos pela terra fazem uma discussão sobre a concentração de terras, em um território em que quase setenta mil imóveis são considerados improdutivos. E só servem para deixar os latifundiários, madeireiros, agentes do agronegócio e grileiros mais ricos, sem atender critérios de função social da terra (prevista na Constituição de 1988). Nesta perspectiva, os personagens construídos pelo presidente “que respeita a lei e que não respeita” não encontra respaldo na realidade do Brasil, não é mesmo?

Ruralistas são uma herança de um processo de distribuição de terras que data da fase colonial do país e que em nada tem a ver com liberalismo ou meritocracia. Estas terras improdutivas do tamanho de cidades inteiras no interior do Brasil são heranças das Capitanias Hereditárias. Assim, aqueles mesmos que dizimaram a verdadeira população local – a indígena – e construíram suas riquezas com mão de obra escrava são os bisavôs destes que hoje seguem querendo matar os indígenas e trabalhadores rurais sem terra. E são estas pessoas que Bolsonaro quer armar para “combater a violência no campo”.

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