Em dia 31 de março, os chilenos foram mais uma vez às ruas de diversas cidades protestar contra o sistema de aposentadorias implantado no país pelo ditador Augusto Pinochet e que vem deixando os idosos em situação de penúria.

Por conta do sistema de capitalização imposto a mão de ferro em 1981, cada trabalhador chileno é obrigado a depositar de 10% a 15% de seu salário em uma conta particular que fica sob gestão de um dos cinco fundos privados de previdência (chamados lá de Administradoras de Fondos de Pensiones – AFP).

De posse dessas poupanças, e seguros de que por um longo período cada um dos trabalhadores chilenos pingará religiosamente o seu depósito sem poder sacar, os gestores das AFPs se divertem investindo em diferentes modalidades de ativos financeiros de renda variável – inclusive fora do Chile – o que significa que em diversos momentos os fundos perdem valor. É uma enorme jogatina com o chapéu alheio que, depois de mais de trinta anos de operação, apresenta resultados sociais deploráveis, como denota o atual patamar do índice de Gini (0,55%).

De acordo com Cecilia, 62, uma professora primária aposentada que participou da manifestação “No+AFP”, seu último salário como professora foi o equivalente a 7.500 reais. No mês seguinte, o primeiro de sua vida de aposentada, sua aguardada pensão foi de apenas 1.730 reais. Ou seja, depois de contribuir a vida toda com 10% de seu salário (750 reais por mês), teve de enfrentar a velhice com uma renda que alcançava apenas 23% da sua remuneração do período na ativa.

Já Carlo, 59, um pequeno empresário que comanda um hostel em Santiago, conta que o sistema de capitalização individual traz uma enorme insegurança à vida dos chilenos. “Há momentos em que, por conta de oscilações negativas nos mercados financeiros, minha poupança na AFP chega a perder 30% do valor que acumulei durante uma vida”.

Como se não bastasse os riscos inexoráveis de um sistema que aposta o futuro das pessoas nos humores dos mercados financeiros, as tais AFPs têm o direito legal de cobrar uma taxa mensal que chega a 3% ao mês para administrar a poupança compulsória que os trabalhadores chilenos lhes depositam todos os meses. Detalhe: a cobrança é feita independentemente dos resultados, mesmo quando os fundos se desvalorizam e produzem prejuízos a cada um dos seus contribuintes cativos, a cobrança da taxa de administração segue intacta.

Tragicamente, a principal bandeira da atual luta dos trabalhadores chilenos é abandonar a capitalização e as odientas AFPs que empobreceram os idosos e recriar um sistema de repartição tripartite e solidário tal qual temos hoje no Brasil.

Nas paredes de uma modesta casa na cidade de Valparaíso, a poucos metros de onde viveu o poeta Neruda, o grafite sintetiza com perfeição o roteiro do regime de capitalização que tantas Cecilias e Carlos logrou empobrecer.

Poupou-nos o grafiteiro da informação de que esse mesmo regime injusto e desastroso fez a alegria das cinco AFPs e do punhado de gestores financeiros amigos de Pinochet e do atual ministro da economia no Brasil, Paulo Guedes, que fazia pós-graduação no Chile quando esse modelo foi implantado.

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