No início semana, Jair Bolsonaro instruiu as Forças Armadas a comemorar o aniversário de 55 anos do golpe de Estado de 1964, no dia 31 de março, dentro dos quartéis.

Na segunda-feira, o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, confirmou a inclusão da data na ordem do dia das Forças Armadas, para comemoração do golpe de 1964, realizada até 2010 e suspensa durante o governo Dilma, a partir de 2011. Segundo Rêgo Barros, “o presidente não considera 31 de março de 1964 um golpe militar” e afirma que os militares se uniram para “recuperar e recolocar o país no rumo”.

Bolsonaro diz que durante o regime militar não houve ditadura, repressão ou tortura do Estado e considera o período de avanços políticos e econômicos para o país. Já homenageou publicamente o coronel Carlos Brilhante Ustra, torturador da ex-presidenta Dilma Rousseff durante a ditadura, e costuma fazer elogios frequentes ao período e a ditadores de outros países, como o general Augusto Pinochet, do Chile, e Alfredo Stroessner, do Paraguai.

A decisão de Bolsonaro gerou inúmeras reações. Parlamentares, órgãos institucionais e representantes da sociedade civil reagiram em repúdio à determinação de comemoração da data de início dos 21 anos da ditadura militar no país.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-DF), afirmou que não haverá solenidades à data na Câmara. “Eu nasci no exílio. Meu pai (o ex-prefeito do Rio César Maia) foi exilado, meu pai foi líder estudantil, foi preso, foi torturado. É claro que não é uma coisa confortável, que eu queira comemorar” disse Rodrigo Maia.

A Defensoria Pública da União entrou com ação judicial que tenta barrar os atos comemorativos, na qual pede que a Justiça impeça gasto de dinheiro público com eventuais atos. Para a Defensoria Pública da União, Bolsonaro “viola sua atribuição como chefe de governo” e desrespeita compromissos com o princípio da prevalência dos direitos humanos previsto na Constituição.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão afirmou, em nota, que a determinação de Bolsonaro de comemorar o golpe desrespeita o Estado de Direito: “Festejar a ditadura é, portanto, festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos. Essa iniciativa soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo das repercussões jurídica”.

A nota lembra que durante a ditadura militar morreram 434 dissidentes políticos, parte deles ainda desaparecidos, além de 800 indígenas. “Estima-se que entre 30 mil e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas. Esses crimes bárbaros (execução sumária, desaparecimento forçado de pessoas, extermínio de povos indígenas, torturas e violações sexuais) foram perpetrados de modo sistemático e como meio de perseguição social. Não foram excessos ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas sim uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares, inclusive com a participação dos presidentes da República”.

O Ministério Público Federal recomendou às Forças Armadas que se abstenham de comemorações. Segundo o MPF, homenagens à ditadura violam os regulamentos e constituem ato de improbidade administrativa, atentando contra os princípios da administração pública: moralidade, legalidade e lealdade às instituições, podendo ser punida, mas forma da lei de improbidade com, desde demissão do serviço público à suspensão dos direitos políticos, além de multas. Assinala que a democracia não se resume às eleições periódicas, mas ao exercício de todo o poder e que a Constituição repudia o crime de tortura e considera inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o estado democrático.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhecem as graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil e recomendam a proibição de “ realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964”. Tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, determinam o respeito à democracia e consideram obrigação de qualquer governo a defender.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a Anadef (Associação dos Defensores Públicos Federais) e a Frente de familiares de vítimas do período da ditadura pediram ao Supremo Tribunal Federal que suspenda a determinação de Bolsonaro.

A juíza da 6ª vara federal do Distrito Federal, Ivani da Silva Luz, intimou o presidente Jair Bolsonaro a dar explicações sobre sua determinação de celebrações do aniversário do golpe de 1964 em até cinco dias a respeito dos questionamentos feitos à Justiça e pede que a Presidência da República se abstenha da determinação de comemorar o dia 31 de março, sob pena de multa diária de R$ 50 mil a ser revertida ao fundo de direitos difusos, diz um trecho da ação popular.

O presidente deve se submeter à Constituição e não tem o poder de desconsiderar os dispositivos legais que reconhecem o regime iniciado em 1964 como uma ditadura. O estado brasileiro já reconheceu, em várias instâncias, sua responsabilidade pelos atos de agentes públicos durante o período de exceção o dever de reparar as vítimas de abusos cometidos durante esse período.

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