A pinça de Guedes e o presidencialismo de achaque
Depois de ter encaminhado à Câmara Federal a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Reforma da Previdência e com ela pretender desmontar a Seguridade Social brasileira, o ministro Paulo Guedes voltou à carga, informando que nas próximas semanas deverá encaminhar ao Senado uma nova PEC que permita a plena desvinculação dos recursos da União. A alegação é que o orçamento do governo federal seria excessivamente engessado (91% dos recursos têm destinação obrigatória), dificultando a gestão governamental e deixando pouca margem para atender as demandas das casas legislativas, onde supostamente estariam mais bem representados os dispersos interesses da sociedade brasileira.
Por trás do palavrório simplista de Guedes, esconde-se o maior ataque à Constituição Federal de 1988 e ao Estado de Bem Estar Social que a partir dela vinha sendo erigido a duras penas no país. Sem as vinculações obrigatórias – ou os chamados mínimos constitucionais – governos de todas as instâncias poderão reduzir seus gastos em Saúde e Educação, por exemplo, para direcionar o caixa a outros fins menos meritórios (obras majestosas, juros estratosféricos, belas campanhas publicitárias, etc.) ou simplesmente reduzirem o gasto global do setor público, deixando a população desassistida e obrigada a recorrer a serviços privados de qualidade duvidosa (vide o que é oferecido pelos planos de saúde privado de baixo custo no país), mas altamente rentáveis.
Porém, o movimento de pinça que Guedes pretende pôr em prática a partir da tramitação das duas PECs (uma entrando pela Câmara e outra pelo Senado) não é apenas um desmonte do pouco foi conquistado pela sociedade brasileira em termos de bens públicos e de direitos sociais. Se de fato conseguir implantar sua estratégia, Guedes estará também colocando em xeque o que resta de sentido no presidencialismo brasileiro e, no limite, subvertendo as bases políticas dessa triste democracia. Esperto como um velho operador de mercado que é, Guedes fez brilhar os olhos de parlamentares, governadores e prefeitos, sinalizando que com o fim das vinculações constitucionais, a classe política terá recuperado o poder que lhes foi cerceado pelo caráter dirigista da CF de 88 Com isso, o superministro espera obter apoio majoritário da classe política e minar as resistências legítimas que pressionam o Congresso a preservar direitos fundamentais que garantem um mínimo de dignidade aos 200 milhões de brasileiros que não vivem de renda (juros, alugueis, dividendos).
Caso tenha êxito, é muito provável que vejamos nascer um monstrengo político, um presidencialismo rebaixado à toda ordem de chantagem, em que o governante de plantão será absolutamente refém do parlamento, o qual por, seu turno, a despeito de ser o dono da grana, não terá responsabilidade nenhuma sobre a execução e a eficácia dos projetos para os quais destinou orçamento.