As mulheres na política externa brasileira
Quando se celebra o dia das mulheres, é imprescindível deixar as flores e chocolates de lado e discutir a equidade de gênero. Na política o assunto é particularmente importante, já que o Brasil é um dos grandes países com o menor número de mulheres nos poderes Legislativo e Executivo. Neste último, temos o principal órgão de deliberação de política externa, o Ministério das Relações Exteriores, também conhecido como Itamaraty, onde, historicamente, os homens comandam e são a maioria.
O acesso institucionalizado de mulheres à carreira diplomática somente foi viabilizado numa reforma do Itamaraty aprovada em 1961. Esta nova regra, assim como outras questões relacionadas a procedimentos, estrutura do Ministério, carreira, postos no exterior, entre outros temas, fizeram parte das conclusões da “Comissão Vasco Leitão da Cunha” instalada em 1953 e cujo conteúdo somente foi votado e aprovado pelo Congresso Nacional oito anos depois. A participação sub judice em 1953 de uma candidata ao Instituto Rio Branco, Maria Sandra Cordeiro de Mello, aprovada, contribuiu para esta mudança, embora até a gestão do ministro Ramiro Saraiva Guerreiro fosse proibido aos casais de diplomatas servirem juntos no exterior. Um deles teria que se licenciar do cargo se quisesse acompanhar o cônjuge.
Antes disso, uma candidata ao serviço diplomático em 1918, Maria José de Castro Rebello Mendes, com o apoio jurídico de Ruy Barbosa, conseguiu convencer o Ministro das Relações Exteriores, Nilo Peçanha, a permitir que ela prestasse o concurso sob o argumento que impedir uma mulher de participar seria inconstitucional, pois os termos masculinos do edital não poderiam impedi-la. Ela passou em primeiro lugar e a partir do ano seguinte até 1938, dezenove outras mulheres ingressaram na carreira, mas elas foram normalmente destacadas para cumprir serviços consulares ou administrativos.
A reforma patrocinada pelo Ministro Osvaldo Aranha em 1938 e que unificou o serviço consular com a carreira diplomática, proibiu o ingresso de mulheres na carreira e, consequentemente, também no Instituto Rio Branco, criado na ocasião, o que somente foi rompido em 1953, quando a justiça permitiu o ingresso de Maria Sandra.
Em 1956, tivemos nossa o país teve primeira mulher embaixadora (o cargo mais alto em um Estado estrangeiro), Odete de Carvalho e Souza. No entanto, ela era uma anticomunista empedernida que já havia trabalhado na embaixada brasileira na Espanha durante a guerra civil onde sua postura era favorável ao franquismo. Assim, há somente pouco mais de sessenta anos as mulheres têm alguma voz no Itamaraty e na política externa, a qual já havia sendo marcada por nomes masculinos importantes, como o Barão de Rio Branco. Contudo, até hoje nunca tivemos uma ministra das Relações Exteriores.
No período dos governos do Partido dos Trabalhadores, a representação feminina aumentou no Itamaraty, assim como a diversidade no órgão. A primeira mulher ao assumir uma subsecretaria-geral foi a embaixadora Vera Pedrosa Martins de Almeida; de 2007 a 2013 a Missão Permanente do Brasil na ONU, sediada em Nova York, foi chefiada pela primeira vez por uma mulher, entre outras conquistas. Entretanto o número de mulheres no órgão ainda é baixo, um total de 360 hoje, equivalente a apenas 23% do quadro diplomático.
Ainda há um longo caminho a se percorrer para que as mulheres tenham a mesma representatividade dos homens na nossa política externa e este não será facilitado pelo atual ministro, Ernesto Araújo, que é um fundamentalista que acredita na retomada da tradição cristã e ocidental, na qual, para as mulheres, sobra a submissão irrestrita. Isso, somado ao conservadorismo histórico do Itamaraty, só irá adiar ainda mais a equidade dentro do órgão. Mas somente adiar, pois a luta por uma política externa que tenha a voz das mulheres prossegue.