Dizia o Barão de Itararé que “de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo”. A máxima é sabia e muitíssimo oportuna para trilhar dias insólitos como os atuais. Porém, para nosso conforto, nem sempre a sina se confirma. Dias atrás, por exemplo, descobri um esplêndido vertedouro de música da melhor qualidade organizado e divulgado pela NPR Music (National Public Radio), uma portentosa divisão musical da Rádio Pública Nacional dos EUA!

Cheguei à rádio por meio das sugestões dos mirabolantes algoritmos da internet, mergulhei nas suas playlists e só lamento não ter como agradecer o tal robot que aprendeu a decifrar a minha alma melhor do que minha mãe. De pista em pista, cavoucando as pedras do percurso musical, cheguei enfim a uma belíssima e admirável iniciativa da rádio pública gringa: entre os muitos programas produzidos pela NPR Music e disponibilizados no canal da rádio no Youtube, lá estavam, pairando na nuvem, mais de seiscentos e setenta vídeos da série Tiny Desk Concerts, (“pequenos concertos na escrivaninha”).

O caso é o seguinte: em 2008, enquanto o mundo derretia com a crise do subprime, o músico e produtor da NPR, Bob Boilen, que tomava umas num bar em Washington, se lamentou aos amigos por não conseguir escutar direito o show que assistia e que o ideal seria convidar a cantora para se apresentar em sua baia, na redação da NPR. No dia seguinte, levou a ideia adiante e inaugurou a série Tiny Desk Concerts, abrindo espaço para apresentações minimalistas de tudo quanto é variedade de música.

 

Japanese Breakfest em apresentação do programa

Salve a usina de música na escrivaninha. Confira dicas do nosso garimpo

Christina Ascani/NPR

 

De lá pra cá, muita gente passou pela escrivaninha do cara. Desde renomadas estrelas como Chick Corea, Susane Vega, Yo-Yo Ma, Peter Framptom ou Cat Stevens até trios esquálidos do meio-oeste americano que insistem com seus violões de cordas de aço. Por conta da saudável pretensão de abrir espaço para experimentalismos musicais, é claro que também surge muito caroço na bateia do TDC, mas, pelo mesmo motivo, há músicos que por lá passam que são fenomenais, oxigênio de alto quilate. Não por outra razão, os vídeos do Tiny Desk são hoje um estrondoso sucesso na internet e já foram assistidos mais de dois bilhões de vezes – sim, bilhões!

Àqueles que ainda não cruzaram com os “pequenos concertos na escrivaninha”, existem diversas playlists no Youtube que podem ser um bom começo para desfrutarem da boa música que por lá gorjeia. Contudo, como não encontrei nenhuma lista que reunisse os concertos que mais me agradaram, me arrisco aqui a apresentar uma seleção enxuta de nove apresentações que primam pelo borogodó. A cada uma delas, agreguei breves comentários.

Pra começar, sugiro a apresentação da banda colombiana Monsieur Periné, liderada pela arretada Catalina García, que misturando twist, boleros e cúmbia produz músicas irresistíveis como a deliciosa Nuestra Cancion, a versão swingada de Sabor a Mi e a derradeira La Muerte, uma cúmbia inoculada de jazz.

Em seguida, recomendo Anderson.Paak & The Free Nationals que misturam grooves, souls e raps entoados com timbres de Stevie Wonder pelo rapper e baterista Andenson.Paak e sua imprescindível batida seca na quina da caixa. É tão bom que o vídeo do concerto dos caras no TDC foi assistido por nada menos que 30 milhões de internautas.

Saindo um pouco das vertentes populares do novo mundo, um show que vale muito assistir é o do violonista iraquiano Rahim AlHaj. Em seu ataúde interpreta magistralmente melodias do oriente médio, acompanhado em certos momentos por um compenetrado percussionista que apenas trisca o couro de cabra de seu tambor pacato.

Seguindo pela trilha das cordas, outro show muito interessante é o de Paolo Angeli, um músico sardo que não apenas toca com grande virtuosismo, mas que faz um som experimental em um violão turbinado por diversas engenhocas que ele mesmo cria. Entre as peripécias do sujeito, uma música emblusada que resultou do encontro de Tom Waits com um velho cantor da Sardenha de nome Cicchèddhu Mannoni.

Ainda pela seara dos violões, ou melhor, das guitarras flamencas, sugiro a apresentação de Rodrigo y Gabriela, um casal de violonistas espanhóis que leva ao limite a arte do dedilhado flamenco e que por isso é conhecido por fazer “heavy metal flamenco”.

E no rastro intenso do flamenco, recomendo o cantor espanhol Diego El Cigala, que também navega por tangos e boleros e faz no TDC uma belíssima apresentação acompanhado do ótimo pianista Jaime Calabuig.

De volta ao mundo da música norte-americana, outra bela apresentação é a da banda Beirut, uma trupe com cara de lagartixa cansada, mas que faz um som muito gostoso, que lembra o velho Talking Heads e seu líder David Byrne. Bom, muito bom!

Christian Scott aTunde Adjuah, também dos EUA, é um trompetista de jazz dos subúrbios de New Orleans que faz uns ritmos muito inventivos, difíceis de classificar e que ele mesmo chama de “stretch” jazz. Combativo e militante do movimento negro, no curto show do TDC ele conta a história e depois interpreta uma música (“Ku Klux Police Department”) que fez em protesto a um episódio biográfico de confronto com a polícia de New Orleans.

Por fim, a jóia da lista: Lianne LaHavas, uma jovem londrina, cantora e compositora como era Amy Winehouse, que possui uma voz deliciosamente rouca e pra lá de afinada. Impressionante! Suas composições Unstoppable (segunda música do show) e Forget (a terceira e última) são preciosidades que valem o garimpo todo.