Futuro ministro fala em sair do Pacto Mundial para Migração
Uma das questões mais atuais das relações internacionais é a migração, embora movimentos populacionais representem um fenômeno natural, secular e estrutural, pois é absolutamente normal que as pessoas busquem melhores condições de vida para si e sua família, mesmo que seja no exterior. Existem hoje 260 milhões de migrantes, 3,4% da população mundial, onde dois terços, em média, representam migrantes que buscam outros países em sua própria região de origem. Na África e Ásia, eles perfazem 80% do total de migrantes. Cabe ainda registrar que 90% da migração mundial ocorre de forma legal.
Ou seja, estamos falando de aproximadamente 26 milhões de migrantes ou refugiados irregulares, menos de meio por cento da população mundial, que, no entanto, se transformaram em ponto central no debate político e ideológico para a extrema direita em vários países desenvolvidos, principalmente, Estados Unidos e membros da União Europeia, que têm favorecido sua ascensão aos governos em vários deles.
Ao longo das últimas décadas os países desenvolvidos têm adotado várias medidas para reduzir o fluxo de imigrantes como a adoção de quotas, detenção para averiguação por longos períodos e deportação. Também têm sido realizados acordos com países de passagem dos imigrantes como, por exemplo, a Turquia, por onde atravessa a maioria dos que provém do Oriente Médio, para barrá-los em seu território. Além desta forma de “externalizar” fronteiras, têm havido acordos também com milícias como a “Guarda Costeira Líbia” para impedir o embarque de imigrantes rumo à Europa. A Austrália, por sua vez, confina seus imigrantes indesejáveis na vizinha Ilha de Nauru, e a Dinamarca, recentemente, decidiu confinar os imigrantes e refugiados que quer deportar, mas que não são mais aceitos em seus países de origem, em uma pequena ilha no sul do país chamada Lindholm.
Após cerca de dois anos de negociações concluiu-se uma proposta de tratado internacional no dia 10 de dezembro em Marrakech no Marrocos, o Pacto Mundial para Migração Segura, Ordenada e Regular, que será submetida à aprovação da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas ainda neste mês. Essa proposta contém 23 objetivos originados das práticas adotadas por diferentes países.
Segundo os defensores do Pacto, principalmente países europeus como Alemanha, Espanha e França, ele visa assegurar o respeito aos direitos humanos dos imigrantes, atacar os problemas estruturais que dão origem à migração e combater o tráfico de pessoas, bem como as máfias que atuam no setor.
No entanto, segundo seus críticos, para cumprir esses nobres objetivos bastaria cumprir tratados já estabelecidos como o Artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que defende a livre circulação de pessoas e a Convenção Internacional de Proteção aos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e de Membros de suas Famílias aprovada pela Assembleia Geral da ONU em dezembro de 1990.
Além disso, argumentam que o modelo aprovado é securitário, criminaliza todos os que atravessam as fronteiras e promove a imigração seletiva, pois somente são aceitos os que interessam ao mercado com o efeito colateral de desprover os países pobres dos técnicos que necessitam para seu próprio desenvolvimento, o que contribui para aumentar o fosso entre países ricos e pobres.
O Pacto legitima as medidas repressivas como a detenção e deportação, inclusive, de menores e viola a privacidade dos imigrantes ao promover o intercâmbio de dados pessoais. Problemas como os mais de dois mil mortos em 2018 ao tentarem atravessar o Mar Mediterrâneo não são tocados no Tratado. Por fim, condiciona a cooperação para o desenvolvimento à implementação do Pacto nos países subdesenvolvidos.
A conferência de Marrakech teve a participação de 164 países. Entre os ausentes, dez deles, em sua maioria governados hoje pela extrema direita como os Etados Unidos, a Austrália, a Hungria e o Chile, entre outros já declararam que não aderirão ao Pacto. A Itália também não compareceu, mas ainda não se posicionou quanto ao mérito da proposta. O Brasil compareceu, mas o futuro ministro das Relações Exteriores declarou que não vai aderir ao Pacto, alegando que viola a soberania nacional, pois a política de imigração seria um assunto de interesse exclusivo do país.
O problema desta decisão não se refere ao conteúdo do Pacto, pois obviamente não se deve aderir a propostas negativas, mas refere-se sim à recusa de aceitar acordos multilaterais que o futuro chanceler toscamente denomina de “globalismo marxista”. Ele também parece esquecer que o Brasil é tanto um país receptor de imigrantes quanto emissor.
Em 2016 e novamente em 2017, mais de 3.000 brasileiros foram impedidos de ingressar na União Europeia, suspeitos de pretenderem imigrar. Somente no primeiro semestre de 2018 foram mais de 2.000. Sem falar dos deportados tanto da Europa quanto dos EUA. Portanto, nos interessaria a adoção de políticas internacionais adequadas para defender os interesses de nosso povo.
Porém, o mesmo argumento de “violação da soberania nacional” também é utilizado contra as propostas de tratados ambientais, como se fosse possível resolver o aquecimento global ou a preservação dos oceanos sem acordos e cooperação entre as nações.
Na verdade, esta postura é extremamente hipócrita, pois quando se trata de atender as demandas das empresas multinacionais como as do setor petrolífero, a adesão é imediata como demonstra a intenção do futuro governo de licitar nossas reservas de petróleo e privatizar a Petrobras. Portanto, a negação do Pacto tem nada a ver com a defesa da soberania e é apenas mais um passo na direção da aliança com a extrema direita mundial e da submissão ao governo “Trumpista”.